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Mostrando postagens de fevereiro, 2025

As Curvas da Estrada

Na longa estrada da existência, cada curva guarda surpresas e desafios que me fazem refletir sobre o verdadeiro sentido do caminho. Como em uma viagem sem mapa, as reviravoltas surgem de forma inesperada, revelando encontros marcantes, momentos de transformação e, por vezes, situações que me obrigam a repensar os rumos. A beleza dessa jornada está justamente na incerteza que a acompanha. Em cada curva, existe a possibilidade de encontrar alguém cujo simples olhar ou palavra transforma os meus passos. Esses encontros — breves ou duradouros — tecem a tapeçaria rica das minhas experiências, deixando lições que permanecem mesmo quando o caminho se torna incerto. Nem todas as curvas trazem apenas encanto e descoberta. Algumas se apresentam como momentos de profunda introspecção, em que o tempo parece pausar e me confronto com a minha própria fragilidade. Nesses instantes, a consciência da finitude se impõe, lembrando-me que a morte, silenciosa e inevitável, faz parte da rota. Ainda assi...

Que Falta Você me Faz

Era uma manhã como tantas outras, mas o vazio tinha peso. O sol entrava pela janela da cozinha, pintando de dourado a mesa onde duas xícaras costumavam repousar. Agora, apenas uma esperava pelo café. A outra, ausente, parecia gritar silenciosamente a falta que ele fazia. Ela puxou a cadeira e sentou-se com o jornal na mão, um hábito antigo que insistia em manter, mesmo que as notícias já não a interessassem como antes. As palavras pareciam dançar diante de seus olhos, mas não liam a história do mundo. Lia a história da falta, de uma ausência que habitava a casa inteira. Na sala, a poltrona dele permanecia intocada. O tecido surrado nos braços denunciava as tardes que ele passara ali, lendo ou cochilando ao som de algum programa de rádio. Agora, era um monumento ao silêncio, à ausência que parecia maior do que a própria casa. Mas a ausência dele não estava apenas nos espaços vazios. Estava nos detalhes. No cheiro do perfume que ele sempre usava antes de sair. Na maneira como dobra...

A Vida Entre Vírgulas

Desde o primeiro choro ao nascer até o último suspiro, nossa existência é pontuada por vírgulas. Pequenas pausas, desvios inesperados, reticências disfarçadas que nos fazem repensar o caminho. A vida, ao contrário do que muitos acreditam, não é um ponto final, mas um texto em constante reescrita, repleto de interjeições, travessões e parênteses que guardam histórias ocultas. Chegamos ao mundo como uma frase inacabada, um esboço de narrativa ainda sem rumo. O primeiro respiro, a primeira luz, o primeiro toque—marcos iniciais que já se inscrevem em nossa biografia antes mesmo de compreendermos seu significado. No começo, tudo parece seguir um fluxo natural: aprendemos a caminhar, a falar, a reconhecer vozes e sorrisos. Mas logo percebemos que a linha do tempo não é reta, que as palavras podem ser cortadas no meio, que a trama se entrelaça com mistérios e desvios que não controlamos. A infância é um parágrafo onde tudo flui com leveza. Brincadeiras despreocupadas, promessas de amizade...

O Som das Ondas

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O cheiro do mar já era uma lembrança antiga, mas quando Helena pisou na areia, sentiu que voltava para casa. Fazia mais de trinta anos que não visitava aquela praia. O vento carregava consigo o sabor salgado da infância, dos dias passados entre conchas, castelos e risadas que hoje ecoavam apenas dentro dela. Havia prometido a si mesma que nunca retornaria, mas a vida tem maneiras estranhas de nos puxar de volta. Desta vez, o motivo era a despedida de sua mãe. Dona Amália tinha pedido que suas cinzas fossem jogadas no mar ao entardecer. "Quero descansar onde sempre fui feliz", dissera ela na última vez que conseguiu falar. E assim, Helena estava ali, carregando nas mãos uma pequena urna e no peito um oceano de lembranças. Enquanto caminhava pela areia fina, avistou a velha casa de madeira, agora desgastada pelo tempo. As janelas estavam fechadas, mas Helena ainda conseguia ouvir o som das conversas noturnas, os sussurros entremeados pelo vento e o tilintar das louças na me...

Entre Marido e Mulher

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"Entre marido e mulher não se mete a colher!" Sábio ditado, pensava Dona Candinha, enquanto assistia, pela enésima vez, ao bate-boca de Sisa e Maneco. Sisa era uma mulher explosiva, de caráter forte e autoritária. Vivia às voltas com o marido por conta dos ciúmes que sentia do belo rapaz. Naquele dia, não foi diferente. Estacionou o carro na saída da garagem do prédio e mandou um "lero" para quem quisesse ouvir — até porque, para ela, era comum e não mudava em nada o que os outros pensassem. — Não toca em mim! Sai da minha frente! — berrava Sisa, enquanto estapeava o marido, sem medo de levar uma coça, já que ele tinha o dobro de seu tamanho. — Só porque tô gorda, né? Precisava me oferecer a Boa Forma em vez da Vogue? Eu sei que tô um bagulho, mas não foi tu que pariu um seguido do outro! Sisa mal havia parido a menina e já se viu grávida do menino, que agora tinha apenas cinco meses. O carro estava lotado com os pertences das crianças, que, naquela altura dos acont...

" A Arte de Sorrir Quando o Mundo Diz Não"

Em tempos difíceis, quando a vida nos coloca diante de desafios inesperados, a arte de sorrir pode parecer um ato de resistência. Sorrir, quando o mundo nos diz não, não é um gesto de negação da realidade, mas sim uma escolha consciente de seguir em frente, de transformar dores em aprendizados e dificuldades em caminhos possíveis. A música Brincar de Viver , eternizada na voz de Maria Bethânia e escrita por Guilherme Arantes, Mariozinho Rocha e Jon Lucien, nos lembra que a vida, apesar dos tropeços, pode ser conduzida com leveza e esperança. A letra traz um convite delicado, quase infantil, para enxergar as oportunidades escondidas nas entrelinhas do cotidiano. Não se trata de um otimismo ingênuo, mas da capacidade de encontrar beleza na simplicidade e força na adversidade. “Quem me dera ao menos uma vez acreditar que o mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes.” Esse trecho ecoa o desejo universal de um mundo mais justo e acolhedor. No entanto, a verdadeira sabedoria est...

Sem Título

Entre o silêncio prolongado dos dias que se arrastam e a urgente vontade de fugir da dor que insiste em marcar cada instante, descubro-me num limiar delicado – um espaço onde o efêmero e o eterno se encontram, entre o passado que se desfaz e o presente que se reconstrói lentamente. Neste limiar, anseio que o tempo voe, levando consigo as cicatrizes que o tempo gravou em meu ser, enquanto temo que a pressa inexorável do relógio desfaça, sem piedade, o intricado mosaico de sentimentos que carrego. Cada segundo se transforma num desafio, numa encruzilhada onde memórias, saudade e o luto incessante se entrelaçam em uma dança silenciosa e inevitável. Viver, nesse compasso hesitante, é percorrer uma estrada solitária onde o coração, muitas vezes incompreendido, pulsa em sintonia com a própria dor. Em meio aos clichês e breves alentos que a vida oferece como possíveis refúgios, busco na simplicidade das palavras um bálsamo que, mesmo que toque apenas a superfície, permita que o interior e...

Eu Sempre Estive Lá

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Desde o primeiro suspiro, eu sempre estive lá. Quando ela nasceu, a sala fria do hospital ecoava os choros de um recém-nascido que parecia lutar contra a própria chegada ao mundo. Eu a observei, um pequeno ser de cabelos ralos e olhos fechados, como se temesse abrir as pálpebras para encarar a realidade. Sua mãe não sobreviveu ao parto, e o pai, um homem desajeitado e em choque, mal sabia como segurar aquele pedaço frágil de vida. “Ela nunca vai estar sozinha”, prometi. Mesmo que ninguém pudesse me ouvir, eu sabia que aquela promessa seria mantida. Eu estava lá quando ela deu os primeiros passos no chão de madeira da casa dos avós, cambaleando como um pequeno passarinho aprendendo a voar. Estava lá nas madrugadas frias em que a febre a dominava, enquanto sua avó rezava baixinho ao lado da cama, com medo de que ela também fosse levada. Na escola, quando era deixada sozinha no intervalo porque nenhuma das crianças queria brincar com a menina que parecia diferente, eu estava ali. Eu a obs...

A Vida nos Surpreende com a Morte

A morte é, paradoxalmente, uma das poucas certezas que temos, e, ainda assim, insiste em nos surpreender. Sabemos que ela virá, mas nunca estamos realmente prontos para sua chegada. Quando leva alguém que amamos, impõe-se como uma ruptura abrupta, um vazio intransponível, um silêncio que grita. Vivemos imersos em compromissos, distrações e planos, acreditando, de certa forma, na ilusão da permanência. Porém, um dia, sem aviso prévio, a vida nos sacode e nos lembra da nossa fragilidade. A morte de um ente querido nos obriga a encarar a transitoriedade da existência e nos confronta com a nossa própria finitude. Como lidar com essa ausência que se instala? Como seguir em frente quando um pedaço de nós parece ter partido junto? O luto é um processo íntimo e singular. Cada pessoa sente e expressa a dor de forma diferente. Para alguns, é um recolhimento profundo; para outros, uma necessidade de se manter em movimento. Mas há algo que nos une: a necessidade de encontrar um novo signific...

Fazer-se Feliz

 “Ninguém pode nos fazer infelizes, apenas nós mesmos.” (São João Crisóstomo) Vivemos, muitas vezes, acreditando que a felicidade é algo que nos chega de fora, que depende de circunstâncias ideais, de pessoas que nos amam da maneira que esperamos ou de eventos que se encaixam perfeitamente no nosso roteiro de vida. Mas a verdade, embora difícil de aceitar, é que a felicidade é uma construção interna. Ela é tão íntima e fugaz que, às vezes, nem percebemos sua presença ao nosso lado, pois se manifesta de forma delicada e silenciosa. A felicidade é muito particular. O que faz um feliz pode não ser o mesmo que faz o outro feliz. Para alguns, ela está no silêncio e na solidão escolhida; para outros, no barulho das risadas entre amigos. Uns encontram alegria na simplicidade da rotina; outros, na emoção do inesperado. Há quem se realize com conquistas materiais, enquanto outros encontram plenitude na experiência do que não se pode tocar. Uns gostam do dia ensolarado; outros se arrepi...

O Segredo

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Era uma manhã abafada de verão quando a família Monteiro se reuniu pela última vez sem saber que o mundo como conheciam estava prestes a desmoronar. Na casa ampla e antiga, com janelas pintadas de azul descascado e o cheiro característico de café passado na hora, reinava uma atmosfera de falsa harmonia. Eduardo e Helena, o patriarca e a matriarca, sentavam-se na cabeceira da longa mesa de madeira, enquanto as quatro filhas ocupavam seus lugares habituais. Clara, a mais velha, era uma advogada bem-sucedida, a personificação do orgulho familiar. Sofia, a segunda, era artista plástica, cheia de ideias e impulsos que muitas vezes escapavam à compreensão dos pais. Marina, a terceira, era enfermeira e tinha uma doçura que equilibrava os temperamentos fortes das irmãs. E então havia Isadora, a caçula, uma jovem aparentemente reservada que parecia carregar em seus olhos castanhos uma melancolia insondável. Os Monteiro tinham seus conflitos, como toda família, mas o segredo que Isadora guar...

Parei de Pensar com a Cabeça e Passei a Pensar com o Corpo

 Passei tanto tempo raciocinando sobre a vida que quase me esqueci de senti-la. Pesava cada escolha, analisava cada gesto, buscava lógica nas emoções e explicações para os encontros e desencontros. Mas a vida não cabe em fórmulas exatas, e os sentimentos não se acomodam em raciocínios frios. Então, um dia, parei de pensar silenciei a mente e deixei que o corpo falasse. Descobri que o corpo sabe. Ele percebe antes dos olhos enxergarem, antes dos ouvidos captarem. O corpo lê os silêncios entre as palavras, sente a vibração das intenções, reconhece os laços invisíveis que unem ou afastam as pessoas. O corpo não se engana com máscaras ou convenções. Ele sabe quando um abraço é sincero, quando um olhar acolhe, quando uma presença nutre ou suga. Passei a perceber que as relações interpessoais não são apenas trocas de ideias ou encontros de personalidades. Elas são campos de energia que se entrelaçam, se repelem ou se equilibram. Algumas pessoas chegam e fazem o coração vibrar em s...

O Homem Que Sabia Demais

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Havia um homem na cidade que era chamado José Alencar, mas todos o chamavam de Zé-Sabe-Tudo. Não havia assunto que escapasse à sua opinião, nem fato que ele não alegasse conhecer melhor que qualquer outro mortal. Dos segredos da física quântica às nuances das receitas caseiras de biscoito amanteigado, Zé-Sabe-Tudo tinha sempre algo a acrescentar, geralmente de maneira enfática e, quase sempre, irritante. Seu “saber” era uma lenda que transcendeu as gerações. Se um jovem falava de astrofísica, Zé-Sabe-Tudo rapidamente citava um artigo obscuro de uma revista especializada que nem os especialistas conheciam. Se uma idosa lembrava os velhos tempos, Zé jurava ter conhecido pessoalmente os protagonistas das histórias. Ele dizia ter vivido tantas vidas que, fosse tudo verdade, deveria ser imortal. A fama de Zé começou a pesar quando ele, inadvertidamente, passou a se meter em assuntos que não deveria. O primeiro incidente ocorreu na missa dominical. O padre Ernesto, durante o sermão, expl...

Palavras no Silêncio

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 A casa do lago repousava entre as árvores, refletida na água calma como um sonho suspenso entre o tempo e a eternidade. Os peixes deslizavam silenciosos sob a superfície cristalina, e o vento movia os ramos das árvores com a suavidade de uma canção inaudível. Dentro daquela casa, vivia um casal que não precisava de palavras para se entender. O silêncio entre eles não era vazio; era preenchido por décadas de cumplicidade, por gestos que falavam mais que frases inteiras, por olhares que contavam histórias que só eles conheciam. Miguel e Helena haviam passado juntos mais de meio século. O tempo, longe de apagar a paixão ou desgastar a harmonia, havia transformado o amor deles em uma obra-prima lapidada com paciência. Como o rio que esculpe a pedra ao longo dos anos, eles haviam moldado um ao outro, até que suas almas se encaixassem perfeitamente. Não precisavam discutir, pois sabiam exatamente o que o outro desejava. Não precisavam perguntar, pois adivinhavam as respostas no brilho...

Areia Movediça - conto

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 O calor daquela tarde grudava na pele como um peso invisível. Júlia sentia o ar estagnado dentro de casa, um sufoco que parecia vir de dentro para fora. O ventilador zumbia preguiçoso no canto da sala, mas não dissipava a sensação de estar presa. Sentada na poltrona, ela observava o reflexo trêmulo do sol nas vidraças e tentava lembrar quando aquela casa, que um dia fora um sonho, começou a sufocá-la. Quando ela e Miguel a escolheram, tudo parecia perfeito. Discutiram cores de parede, o modelo das cortinas, o tipo de madeira para o piso. Riram, brigaram, fizeram as pazes entre catálogos e visitas a lojas de decoração. No início, cada detalhe da casa parecia um reflexo do amor que construíram juntos. Mas, pouco a pouco, aquele lar se transformou em uma jaula dourada. — Aonde você vai? — a voz de Miguel soou às suas costas quando ela pegou o casaco. Júlia fechou os olhos por um instante, sentindo a nuca arrepiar. Respirou fundo antes de responder: — Vou dar uma caminhada. Es...

O Relógio Dança o Tempo

 O tempo, ah! O tempo... Ele desliza, inexorável, marcando sua presença com a precisão fria dos segundos, dos minutos e das horas. Seu compasso não vacila, seu ritmo nos empurra para a frente, porque apenas o futuro se abre diante de nós. O passado, esse passou. O que foi vivido, foi. O que ficou para trás, permanece como lembrança, ecoando em saudades, em suspiros, em sorrisos guardados na memória. Mas e se não vivi tudo o que ele me oferecia? E se deixei momentos escaparem por entre os dedos, como areia levada pelo vento? Ah, os "ses"... Pequenas armadilhas que nos aprisionam em um labirinto sem saída, onde cada passo para trás rouba a luz do presente e embaça a visão do futuro. Não, não quero me perder nos "ses" que pesam sobre a alma. Quero dançar com o tempo, aprender seu compasso, fluir em sua melodia. Que o relógio não seja um carrasco impiedoso, mas um parceiro de valsa, conduzindo-me com leveza pela vida que ainda pulsa em cada segundo. Porque, afinal...

O Milagre das Primeiras Vezes

 Por mais que a vida nos tenha ensinado, por mais que os anos tenham bordado sulcos em nossa pele e memórias em nossa alma, há sempre um instante novo, uma emoção inédita, um olhar que descobre o mundo como se fosse a primeira vez. Talvez já tenhamos visto o sol nascer mil vezes, mas haverá um dia em que o brilho dele tocará a retina de um jeito diferente, despertando uma ternura esquecida. Talvez tenhamos escutado: "Amo-te" tantas vezes que as palavras pareçam gastas, mas haverá um dia em que alguém nos dirá isso de uma forma que nunca ouvimos antes, com uma ênfase sutil, uma pausa inesperada, um tom que revela um amor maduro e profundo. Viver é um eterno recomeço. Não importa quantas estações já passaram, quantas despedidas já enfrentamos ou quantas primaveras já celebramos — sempre haverá uma nova primeira vez. Para amar, para aprender, para rir, para chorar. Para reconhecer a doçura de um reencontro, para se permitir um novo afeto, para se aventurar em um território d...

A Cada Noite Uma Esperança

 Deito-me na escuridão do quarto, esperando que o sono me leve ao único lugar onde ainda posso te encontrar: meus sonhos. Lá, o tempo se curva diante da saudade, e você me espera, com o mesmo olhar de antes, o mesmo sorriso que ainda sei de cor. Tenho medo, confesso. Medo de que, aos poucos, o contorno do seu rosto se desfaça, o calor de seu olhar esfrie em minhas lembranças, que o toque da tua mão paralise antes de tocar a minha. Medo de que tudo fique como tinta diluída na água do tempo. Medo de que sua voz se perca em um sussurro longínquo, até que eu já não possa mais reconhecê-la. Mas enquanto a noite se derrama sobre mim, conservo a esperança: talvez, hoje, você venha. Nos sonhos, não há despedidas. Caminhamos lado a lado, como se nada tivesse nos arrancado um do outro. O toque ainda é quente, suas palavras ainda têm peso, e, por um instante, a vida se dobra ao impossível: você está aqui. E então acordo. O quarto vazio, a cama fria, o coração apertado. Mas a esperança n...

O Luto é Silencioso

 Marta sentia a ausência de Antônio como um buraco no peito, uma falta que doía mais a cada dia. Ele se foi numa manhã cinzenta, sem despedidas, sem tempo para últimas palavras. E, desde então, ela carregava o peso da saudade no olhar, mas nunca nos lábios. As palavras lhe foram roubadas pela crença de que seu sofrimento poderia ser um fardo para a alma do marido. "Não chore, Marta, senão ele não encontra a luz", diziam-lhe. "Se lamentar demais, ele fica preso aqui", alertavam com olhos de compaixão e vozes suaves, mas firmes. E assim, Marta fechou-se em um silêncio sepulcral, vestindo a dor como quem veste luto, mas sem poder expressá-lo. As noites eram as piores. No escuro do quarto, quando ninguém via, ela mordia os lábios para sufocar os soluços, apertava os próprios braços na tentativa inútil de conter a dor que insistia em vazar pelos olhos. Mas a culpa vinha logo em seguida: "Estou impedindo o descanso dele?" Os dias se arrastavam. O mundo gir...

Nas Asas de um Pássaro

O vento soprava suave naquela manhã dourada, e ele sentia cada corrente de ar como um sussurro antigo, um chamado ancestral. Seu nome era Auris, um pequeno pardal de penas cor de outono, que vivia entre os galhos altos de uma velha figueira. Auris não conhecia o peso das preocupações humanas, mas carregava no peito um desejo profundo: ver o mundo além dos telhados vermelhos e das ruas de paralelepípedos onde crescera. Sentia que havia algo mais, algo que o chamava além do horizonte, algo que pulsava no ritmo de suas asas inquietas. Certa vez, ao amanhecer, encontrou um homem solitário sentado em um banco da praça. Tinha olhos cansados e uma tristeza que se dissolvia no vapor da xícara de café esquecida ao lado. Auris pousou perto, curioso. O homem ergueu os olhos e sorriu, um sorriso breve, quase esquecido. — Ah, se eu tivesse asas... — murmurou o homem, como se falasse para o vento. O pequeno pardal inclinou a cabeça, intrigado. Não compreendia o peso do corpo humano, a gravid...

Nem Chorando um Oceano

Diante da morte, somos reduzidos à nossa própria impotência. Não há palavras que a detenham, não há gestos que a afastem. Ela chega sem pedir licença, sem avisar, sem se importar com os planos que fizemos, com os sonhos que estavam apenas começando, com o amor que ainda tínhamos para dar. Vem como um vento que apaga a vela, deixando-nos na escuridão de um vazio que jamais pode ser preenchido por completo. Talvez por isso a chamemos de destino: precisamos encontrar um nome para aquilo que não conseguimos compreender. Talvez seja por isso que a travestimos de fé: a aceitação parece o único caminho possível para seguir em frente. Mas como aceitar? Como continuar respirando quando tudo ao redor parece sufocar? Como caminhar quando cada passo carrega o peso da ausência? Dizem que o tempo ameniza a dor, que transforma o luto em lembrança, que ensina a viver sem a presença física de quem partiu. Mas o tempo não apaga a ausência. O tempo apenas molda a falta, tornando-a parte de quem somos...

Se eu tivesse asas

Se eu tivesse asas, sobrevoaria o tempo e a saudade. Pairaria sobre os dias que passaram velozes demais, estenderia as mãos para tocar aqueles que o tempo levou para longe. Se eu tivesse asas, atravessaria o céu em busca de todos os abraços que ficaram suspensos no ar, todas as palavras não ditas, os sorrisos que o destino interrompeu. Voaria para além das dores e das ausências, encontrando alívio na leveza do vento, na carícia do sol sobre as penas imaginárias que me sustentariam. De lá do alto, veria a vida com outra perspectiva, onde as distâncias seriam apenas ilusão e os desencontros, meros intervalos entre um reencontro e outro. Se eu tivesse asas, me permitiria flutuar sobre os dias nublados e ver o sol escondido acima das nuvens. Entenderia que toda tempestade é passageira e que, depois da chuva, a terra exala perfume de recomeço. Levaria comigo aqueles que amo, pousando suavemente nos campos da lembrança, onde as memórias florescem sem medo do tempo. Mas não tenho asas. ...

A Compaixão Começa em Casa

Desde cedo, aprendemos que ser bom é se doar, estender as mãos e oferecer apoio. Crescemos ouvindo que devemos cuidar dos outros, ser generosos e acolher dores alheias. E, de fato, tudo isso é essencial. No entanto, o que acontece quando fazemos isso sem antes olharmos para dentro? O que sobra de nós quando gastamos toda a nossa energia com os outros sem reservar sequer um pouco para nós mesmos? A compaixão verdadeira não pode ser unilateral. Ela precisa se estender ao próximo, mas também a nós mesmos. Não é egoísmo reconhecer que também temos fraquezas, que também sofremos e que igualmente merecemos acolhimento. Antes de nos doarmos, precisamos estar inteiros. Imagine uma chama que ilumina um caminho escuro. Se não houver oxigênio suficiente, essa chama se apaga. Assim acontece conosco. Se negligenciamos nosso descanso, nossas emoções e nossos limites, um dia nos apagamos também. Ter compaixão por si mesmo significa tratarmo-nos com gentileza. Significa respeitar nossos sentimen...

A Brisa da Meia Noite

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Na pequena vila de São Cristóvão, as noites sempre pareciam ter vida própria. Era uma terra de ventos gentis e silêncio acolhedor, onde as ruas de paralelepípedo refletiam o brilho da lua cheia. Ali, meia-noite era muito mais do que o marco de um novo dia; era o momento em que a brisa dançava pelas casas, varandas e praças, carregando segredos e histórias de amor. Laura e Daniel eram parte desse ritual noturno. Haviam se conhecido em um baile da vila, quando já tinham ultrapassado os cinquenta anos. Ambos traziam nos ombros o peso de histórias de vidas vividas, com suas conquistas, dores e cicatrizes. Laura, viúva, era dona de uma pequena livraria no centro da vila, onde as paredes eram forradas de livros antigos e o cheiro de páginas amareladas misturava-se com o aroma de café fresco. Daniel, um relojoeiro aposentado, encontrara em sua oficina um refúgio para os dias de solidão, onde o tic-tac dos ponteiros era sua única companhia. Foi em uma dessas noites, depois do baile, que se...

Areia Movediça

 As areias movediças da vida nem sempre se apresentam como terrenos traiçoeiros e visíveis. Muitas vezes, elas estão disfarçadas na rotina, nos compromissos inadiáveis, nas relações que, ao invés de nos fortalecer, nos aprisionam. A cada dia, enfrentamos situações que nos fazem afundar lentamente, sem perceber. Um emprego que já não nos realiza, um relacionamento que perdeu a reciprocidade, um ambiente que sufoca em vez de acolher. No início, nos convencemos de que tudo está bem, que é apenas uma fase, que logo o solo se tornará firme novamente. Mas o tempo passa e percebemos que não é apenas o chão que nos prende — somos nós que, por medo ou conformismo, nos acostumamos com a sensação de afundar.   -Júlia sentiu isso na pele. A casa que um dia fora um refúgio tornou-se sua prisão. O olhar de Miguel, antes terno, se transformou em um peso constante, como se cada decisão precisasse ser justificada. Quando percebeu, já não tinha mais liberdade, apenas a ilusão dela. Cada p...

O Caminho das Borboletas

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Era uma manhã dourada de primavera quando Joana decidiu explorar a trilha que serpenteava pela mata ao redor de sua casa. As borboletas, em uma coreografia quase mágica, flutuavam entre as árvores, como se desenhassem um caminho invisível que a convidava a segui-las. Joana vinha de tempos de sombras. Desde a partida inesperada de seu companheiro, as cores pareciam ter desaparecido do mundo. Tudo era cinza e envolto em uma neblina densa de silêncio. Porém, algo naquela manhã parecia diferente. O canto dos pássaros estava mais vibrante, e o perfume das flores recém desabrochadas trazia uma nota de esperança. Ela não sabia explicar, mas havia uma leveza que a fazia caminhar, mesmo sem rumo definido. “Venha”, parecia dizer uma pequena borboleta azul que pairava diante de seus olhos, antes de seguir adiante. Joana a acompanhou, cruzando pequenos riachos e galhos caídos, sentindo a terra úmida sob seus pés. Outras borboletas, de vários tamanhos e cores, juntavam-se ao cortejo, transformando ...

Eclipse no Coração

 Há dias em que o sol brilha forte dentro de nós, espalhando luz por cada canto da alma. Mas há outros em que uma sombra se interpõe entre o peito e o calor da vida, obscurecendo tudo ao redor. Um eclipse no coração. Não são raros esses momentos. Eles chegam sem aviso, como nuvens densas encobrindo um entardecer que prometia ser sereno. O coração, tão acostumado a pulsar em plenitude, de repente hesita, vacila. A saudade, a dor e as lembranças sussurram segredos de tempos passados, e o presente parece perder a cor. Mas assim como o eclipse é apenas um instante na imensidão do tempo, as sombras que nos visitam também são passageiras. O que hoje se esconde atrás de uma escuridão momentânea, amanhã pode reaparecer iluminado, revelando um brilho ainda mais forte do que antes. Porque a dor transforma, reinventa, molda a alma de quem sente. Há beleza até mesmo na sombra, pois ela nos ensina o valor da luz. Há poesia até mesmo na saudade, pois ela só existe onde houve amor. E há vid...

Procurando outra de ti

Ele a encontrou num dia de ventos inquietos. As folhas dançavam sobre a calçada, desenhando caminhos invisíveis, e ele seguiu um deles, sem saber que o levava ao destino. Ela estava ali, encostada na vitrine de uma livraria antiga, olhos presos num volume de capa azul. Quando ergueu o rosto, os olhares se entrelaçaram como fitas no ar. — Esse livro fala de reencontros — ela disse, como se já soubesse o que ele sentia. Ele sorriu, sem pressa de responder. Sabia, no âmago, que não era a primeira vez que seus destinos se cruzavam. Talvez em outro tempo, outra vida, sob um céu diferente, suas almas já tivessem se reconhecido. Os dias seguintes foram costurados por conversas demoradas e silêncios que falavam por si. Ele lhe escrevia cartas, mesmo estando ao seu lado. Ela lhe recitava versos que trazia no coração. Passeavam sem destino por ruas escondidas da cidade, descobrindo recantos onde o tempo parecia suspenso. Sentavam-se em praças floridas, e ele a ouvia contar histórias de...

Viver um Dia de Cada Vez: A Sabedoria do Presente

A vida, com sua dança imprevisível de acontecimentos, nos convida constantemente a viver no presente, mesmo quando nossos pensamentos insistem em vagar para o futuro ou se perder no passado. No contexto da doutrina espírita (não sou estudiosa, nem conhecedora do espiritismo, para mim são somente especulações e curiosidade) que sugere que esta década será marcada por grandes revelações e descobertas, esse convite se torna ainda mais relevante. Afinal, é no presente que construímos a base do que está por vir. Viver um dia de cada vez não significa ignorar o futuro, mas reconhecer que ele é moldado pelas escolhas que fazemos hoje. É claro que planejar é necessário – o agricultor que lança as sementes precisa confiar que a colheita virá. Porém, mergulhar de forma obsessiva nas incertezas do amanhã pode nos afastar daquilo que realmente importa: o momento presente, o único que está efetivamente ao nosso alcance. A humanidade, segundo o espiritismo, caminha para um período de grandes tra...