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Mostrando postagens de julho, 2025

Aos Amores Que Já Se Foram

Alguns amores não acabam. Apenas se recolhem. Feito ondas que voltam para o   fundo do mar sem aviso — depois de tocar a areia com tanta fúria, com tanta entrega. Não há manual que nos ensine a lidar com a ausência do que foi inteiro. Há apenas o silêncio. E ele costuma chegar antes da compreensão. Tivemos amores que pareceram eternos. Amores que nos fizeram reinventar os dias, mudar o rumo das horas, refazer planos com as mãos trêmulas de quem acredita. Eram amores de alma, de corpo, de pele que reconhece pele. Mas a vida — esse rio inquieto — às vezes muda de curso sem perguntar se sabemos nadar. Alguns se foram pela morte. Outros, pela vida que virou outra. Sem traições cinematográficas, sem mágoas de novela. Foram atravessados pelo tempo, pelo cansaço, por distâncias que não cabem no mapa, mas se instalam no coração. E também por perdas que não deixam rastros no chão, apenas no peito. Eles existiram. Amaram e foram amados. E isso deveria bastar. Mas nem sempre ...

Amores do Apocalipse

O mundo estava caindo. Não em labaredas, nem em bombas — isso já tinha passado. Agora o fim era mais sutil: bancos fechando, prateleiras vazias, sirenes que já ninguém ouvia. E, acima de tudo, aquele silêncio: o silêncio de quem desistiu de esperar salvação. Ela chamava-se Clara. Ele, Vicente. Não se viam há dois anos. Mas toda vez que a vida resolvia se romper, eles voltavam a se procurar. Era uma espécie de pacto não escrito, como se o colapso lá fora puxasse o fio invisível que os ligava. Clara atravessou a cidade a pé. Três horas de caminhada, desviando de prédios queimados e ruas esvaziadas. Carregava uma mochila com água, um cobertor e o retrato amassado dos dois, tirado num tempo em que ainda se acreditava em futuro. Ao chegar ao velho edifício onde Vicente morava, bateu na porta com força. A madeira rangeu. Nada. Bateu de novo. Até que ouviu passos arrastados. — Sabia que viria — disse ele, sem abrir logo. — Como? — Porque o mundo está acabando. E a gente só se ...

Bandeiras Esfarrapadas

  São tantos te amo , boa viagem , feliz dia — espalhados como confetes em um Carnaval que não acaba nunca. Nas redes sociais, onde todos se seguem, se curtem, se declaram, os vínculos parecem sempre brilhantes, os sorrisos são amplos, os relacionamentos são amigáveis e amáveis. Dias são sempre “abençoados”. Amores são eternos. Famílias, unidas. Pais e filhos são melhores amigos . Irmãos se marcam em postagens com corações e lembranças de infância editadas com filtros dourados. Mas quando nos vemos, sem câmera, sem tela, sem legenda… há um certo estranhamento. O abraço parece ensaiado. A conversa escorrega na superfície. O olhar evita o fundo. Porque ali, no encontro real, as bandeiras tremulam rasgadas. Rasgadas pela ausência, pelo silêncio do cotidiano, pelas brigas nunca ditas, pelos afetos esquecidos entre uma notificação e outra. Há quem se ame profundamente sem dizer. E há quem diga eu te amo todo dia, só pra manter a estética do perfil. Não se trata de negar o ...

O Que Fazer da Vida?

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O Que Fazer Da Vida? — Não sei o que farei da minha vida… — disse a mulher, como quem fala pra dentro e, ainda assim, se ouve alto demais. Estava sentada na beirada da cama, o lençol amarrotado de noites maldormidas. A cortina oscilava levemente com o vento da manhã, mas ela não percebia. Chorava sem escândalo, como quem já chorou tantas vezes que o corpo sabe o caminho das lágrimas. Os olhos não procuravam nada. Só estavam ali, molhados e baixos, como se pesassem demais para seguir olhando em frente. A casa estava silenciosa, mas não era um silêncio limpo. Era aquele silêncio espesso, povoado de restos: pratos que ninguém mais suja, vozes que não voltam do corredor, ausências que caminham de pés descalços pelos cômodos. Não havia ninguém — e, ao mesmo tempo, havia tudo. Tudo o que ela tentava esquecer e tudo o que ainda a lembrava de si. Tinha 56 anos, dois filhos criados, um casamento que naufragara devagar, como um barco que vai enchendo d’água sem alarde. Ele foi ficando ausente...

A Mulher Que Sabia Negociar

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Dizem que Dona Mirela nasceu com o dom da lábia. Quando pequena, negociava horas a mais para brincar na rua em troca de ajuda com a louça. Crescida, trocou os deveres escolares por fatias de bolo de fubá distribuídas estrategicamente aos colegas mais espertos. Quando se casou, não escolheu um homem, escolheu um sócio — e o convenceu de que um bom casamento precisava de duas geladeiras: uma para os legumes, outra só para os vinhos. Mirela era dessas que não aceitavam um “não” sem antes espremer dele todas as possibilidades de um “talvez”. Negociava o preço do pão, o prazo do cartão, o silêncio do vizinho barulhento. Uma vez, numa fila de supermercado, fez uma criança desistir de um pirulito em troca de duas balas de menta que ela tirou da bolsa — e ainda saiu como heroína aos olhos da mãe exausta. A fama dela cresceu. Se tinha alguém capaz de convencer qualquer um de qualquer coisa, era ela. Nem o padre escapou: numa missa, ela o fez inverter a ordem dos cânticos só porque achava que o ...

O Universo e Seus Femininos: A Vida e a Morte

Há algo de profundamente feminino nos extremos da existência: nascer e morrer. A vida irrompe como um parto cósmico — explosão silenciosa que escapa às leis dos homens, dos relógios e das convenções. A morte, por sua vez, recolhe o que foi sem barulho, como uma mãe antiga que cobre a criança adormecida para que o frio da noite não a alcance. O universo, por mais que o chamem de masculino — senhor das galáxias, engenheiro das órbitas, deus das colisões estelares —, curva-se diante desses dois mistérios que só as forças femininas conhecem de dentro. A vida nasce de dentro. A morte recolhe para dentro. Ambos têm útero. Não há conquista, império, sabedoria ou virilidade que vença a hora do nascimento ou do fim. Diante delas, até os deuses tremem. A vida entra como quem não pede licença — rasga a carne, dilata o tempo, desorganiza a ordem. A morte chega como quem já conhece o caminho — não precisa fazer barulho, porque o corpo já se entregou antes mesmo da última respiração. Entre ess...

Entre o Microscópio e o Mistério

  Já não sei se um dia vou te reencontrar. Minha fé anda trêmula, como quem pisa em chão rachado. Há dias em que acredito que o amor não morre, apenas muda de forma e lugar — vira vento, cheiro, lembrança, toque invisível. Mas em outros, me agarro à frieza das evidências, ao que pode ser medido, provado, dissecado. E aí você parece mesmo ter ido. E só. Fico entre dois mundos. A ciência me oferece respostas — quase todas sem alma. Fala de células, de energia, de matéria que se transforma, mas não responde por que o travesseiro ainda guarda tua ausência como quem guarda um segredo. Já a fé… ah, a fé… Essa me pede olhos fechados, mesmo quando tudo dói em plena luz do dia. Ela sussurra que a morte não é fim, que há reencontros em outros planos, mas às vezes, confesso, me soa como consolo inventado pra suportar o insuportável. Eu queria que um deles vencesse, só pra descansar. Ou acreditar de vez que te verei de novo, e então sonhar com isso sem medo. Ou aceitar que não ...

Não Queria Dizer Adeus

Havia um porta-retrato virado para a parede. Ninguém sabia ao certo desde quando. Só se sabia que foi depois da última madrugada em que ela chorou na cozinha, com as mãos trêmulas e a chaleira esquecida no fogo. Helena nunca soube se estava pronta para a despedida. E talvez esse tenha sido seu erro: esperar por uma prontidão que jamais viria. Dizia a si mesma que tudo seria mais fácil quando acontecesse — como se o adeus viesse com manual de instruções, como se a ausência tivesse o bom senso de ser educada. Mas não foi. Antônio partiu em silêncio, do jeito que vivia: sem barulho, sem cerimônia. Deitou-se ao lado dela numa noite de abril e, ao amanhecer, já não respirava. Havia no quarto um cheiro de alfazema, um livro marcado na página 32, e um par de meias dele esquecido no chão. O resto foi ausência. Desde então, Helena passou a conversar com as coisas da casa. Chamava a cadeira de balanço pelo nome dele. Dizia “com licença” ao abrir o armário onde guardava as camisas que se ...

A Pior Parte do Amor

O quarto estava escurecido pelas persianas meio fechadas. Era fim de tarde, mas ali dentro o tempo já não obedecia às regras do mundo. A filha sentada na beira da cama, os olhos fixos no chão. O pai, numa cadeira baixa, de mãos entrelaçadas, como quem segura alguma coisa muito delicada — talvez a coragem. Ela suspirou. Ele ouviu o silêncio denso entre um pensamento e outro. Havia dias em que ela chegava apenas com o corpo; o olhar ficava longe, como se o mundo já não coubesse nela. — Pai… — a voz dela era só um fiapo — eu não sei mais se consigo. É tudo tão... pesado. Dentro de mim, parece que algo afunda e não volta. Tô cansada, pai. Cansada de me fingir viva. Ele não respondeu logo. Queria. O instinto era segurar a mão dela e dizer “fica”, como sempre dissera. Mas agora havia algo diferente. Uma tristeza tão funda no olhar dela que o amor — aquele amor que é feito mais de escuta do que de palavra — precisou aprender a se calar. Então ele respirou fundo. Se inclinou um pouco p...

Não Sentir Pena de Si

  Há uma dignidade silenciosa em quem recusa o papel de vítima. Não por orgulho. Não por negação. Mas por lucidez. Viver é se lançar em caminhos que nem sempre têm chegada. Escolhemos porque queremos. Ou porque não há alternativa. Ou porque a vida — essa criatura cheia de curvas e ironias — nos empurra sem que a gente perceba. E tudo bem. Nem sempre há um sentido, nem sempre há um final feliz, e nem por isso precisamos transformar a travessia num lamento. Algumas escolhas parecem certas. Têm cheiro de futuro bom, gosto de promessa, textura de sonho. Mas depois, escurecem. Empacam. Nos cansam. A tentação é pensar: “por que comigo?”. A tentação é querer colo, plateia, redenção. Mas talvez a força more exatamente na recusa desse roteiro. Não se trata de endurecer. Trata-se de se responsabilizar — por si, pelas encruzilhadas, pelas tentativas. Trata-se de não delegar ao outro o roteiro da própria dor. Há quem confunda esse gesto com frieza. Há quem ache que se recusar a ser vít...

"Se Tiver Muito Pesado Pra Você, Vá!"

Nem todo amor se mede pela presença. Às vezes, o maior gesto de amor é justamente o da ausência permitida — o adeus concedido com o coração ainda sangrando, mas as mãos abertas. Há dores que não se suportam. E há amores que, sabendo disso, escolhem não reter. Quando alguém olha nos olhos de quem ama e diz: “Se estiver muito pesado pra você, vá” , não está desistindo — está, na verdade, assumindo o peso maior. Está dizendo: eu aguento o vazio, desde que você não precise carregar mais a dor . É um gesto silencioso de imensidão. Uma entrega sem amarras, um amor que não exige retorno, apenas liberdade. Nem todos conseguem. A maioria insiste, suplica, segura firme a mão de quem está afundando, mesmo que isso arraste os dois. Mas há os raros — esses que entendem que amor também é deixar ir, mesmo que o mundo desmorone por dentro, mesmo que a vida nunca mais encontre seu eixo. Dizer vá não é empurrar. É acolher a decisão de quem está no limite. É enxergar a exaustão nos olhos alheios e...

Cada Um Oferece ao Mundo o Que Pode...

Nem todos brilham no palco, mas há quem ilumine caminhos no bastidor. Nem todos têm voz que ecoa nos altos palanques, mas há quem sussurre conselhos capazes de mudar destinos. Cada um oferece ao mundo aquilo que condiz com seu próprio potencial — e isso não é pouco. Isso é tudo. O erro é imaginar que grandeza está no tamanho do feito. Grandeza, na verdade, está na inteireza com que se oferece. Um abraço inteiro pode valer mais do que um discurso vazio. Uma escuta atenta pode valer mais que mil conselhos apressados. Isso também vale para os afetos. Nos relacionamentos — sejam de amor, amizade ou família — cada um oferece o que sabe, o que aprendeu, o que consegue dar com os recursos que tem. Nem sempre é o ideal. Nem sempre é o que o outro esperava. Mas é o que, naquele momento, se pode oferecer. E isso não significa conformar-se. Porque nada é definitivo. Tudo pode ser aprendido, revisto, reconstruído. Ninguém está preso à sua versão de ontem. Quem antes só sabia calar, pode apre...

Trezentos Dias Sem Ele LIVRETO

Capítulo 1 – Roubo em Plena Vida   São trezentos dias. Trezentos dias sem ele. Nem todos passaram. Alguns apenas pesaram. Outros me atravessaram como lanças surdas. Houve dias que não me deixaram dormir e noites que não quiseram terminar. Trezentos dias e ainda não me acostumei com a ausência dele me esperando com o olhar — aquele mesmo, de quando a vida ainda era nossa. Ele foi abduzido. Roubado. Em plena vida. Não estava pronto. Nós não estávamos. E mesmo que o tempo nos tivesse avisado, teríamos acreditado? Seguimos construindo juntos desde muito cedo: casa, filhos, abraços, rotinas. Até mesmo os silêncios se tornaram nossos. E de repente, ele me foi tirado. Como se a vida tivesse pressa em levar quem mais me conhecia. Mas é por ele — e por tudo o que fomos — que sigo. Mesmo quando penso em parar. Mesmo quando o corpo inteiro quer desistir.   Capítulo 2 – Nosso Primeiro Silêncio   A primeira noite sem ele foi um eco. O travesseiro do lado d...

Num Domingo Qualquer

Num domingo qualquer, a vida escorre devagar pelos dedos. Sem avisar, ela se espalha em pequenos gestos: o cheiro do café que invade a casa, a toalha antiga estendida na mesa, o sol filtrado pelas frestas da persiana. Não é um domingo especial. Não tem data marcada no calendário, nem promessa de grandes reviravoltas. Mas, por algum motivo, parece conter tudo. Talvez porque aos domingos a gente respire diferente. O mundo silencia um pouco, os relógios cochilam, e até os pensamentos andam descalços. Não há pressa para se entender, nem exigência de ser útil. Há apenas a possibilidade de ser. A vida se revela nesses instantes miúdos. Num chinelo velho de quem voltou do mercado, na risada de criança que brinca no pátio do vizinho, no pão com manteiga que derrete só de encostar na frigideira. É ali que mora o sentido: não nos grandes feitos, mas na constância das pequenas ternuras. Num domingo qualquer, alguém se lembra de alguém que partiu. Outro visita uma saudade antiga que reso...

Num Intervalo de Tempo

Durante muito tempo — e como demorou a perceber isso — ela viveu em função do que o tempo decidia. O tempo das tarefas, o tempo das expectativas alheias, o tempo do relógio que apitava para lembrar que já era hora de ser outra coisa. O tempo que a urgia. O tempo que a esperava. O tempo que, sem piedade, a empurrava de uma obrigação para outra como se ela fosse apenas um corpo em trânsito. Ela acordava cedo porque disseram que era virtude. Corria para o trabalho como se o mundo fosse acabar ao meio-dia. Voltava correndo para casa como se o lar precisasse ser resgatado de um incêndio invisível. Dormia tarde demais, com os olhos no teto, e o cansaço pulsando como um segundo coração. E nesse ciclo — vicioso, cansativo, domesticado — ela se perdeu. Não por distração, mas por obediência. Foi numa tarde qualquer, de um dia qualquer, que o intervalo aconteceu. Um intervalo de tempo entre um afazer e outro, entre o dever e o cansaço. Um espaço de tempo em que ninguém a pediu nada, ninguém a...

A Casa Onde o Silêncio Morava

Desde que Alfredo partira, Cecília se tornara um cômodo aberto. Por ali passavam os familiares com suas palavras mornas, os amigos com seus abraços curtos, os vizinhos com bolos, frases feitas e olhos curiosos. Ela ouvia, ela sorria, ela agradecia. Mas por dentro, a alma se encolhia, à procura de um canto onde pudesse sentar sozinha e escutar seu próprio lamento. Alfredo morrera num entardecer sem poesia, no meio de uma terça-feira comum, com a louça ainda por lavar e a toalha úmida no varal. Não houve aviso, nem discurso, nem a chance de um último gesto. Um sopro e ele se fora. E ficou um espaço entre as horas que ninguém conseguia preencher. Nos primeiros dias, Cecília mal dormiu. Noite adentro, escutava as vozes ao telefone, as mensagens chegando, as orações que vinham de todos os cantos, como se a fé alheia pudesse remendar a carne que rasgara por dentro. Às vezes, fechava os olhos e fingia que dormia só para que as visitas fossem embora. Noutras, sorria com um cansaço que doía...

Retrovisor Com Carinho

Chega um tempo em que o retrovisor ganha mais espaço que o para-brisa. E não, isso não significa parar, estacionar, muito menos desistir. Significa apenas que a estrada que ficou para trás começa a dizer mais sobre quem somos do que aquela que ainda falta percorrer. Não é nostalgia — é lucidez. É olhar para trás com o cuidado de quem compreende que tudo o que vivemos virou parte do que somos. E mais: do que temos para oferecer. O presente se faz breve, quase fugidio. O futuro, esse grande ecrã em branco da juventude, vai se encurtando, se estreitando, como uma trilha de terra batida no fim da tarde. Já não se trata de correr, mas de caminhar com presença. De escutar mais do que gritar. De perceber que a vida, nesse tempo de retrovisor largo, quer menos espetáculo e mais essência. É nesse momento que aprendemos o valor das histórias — aquelas que carregamos conosco, como cicatrizes que não doem, mas ensinam. Porque toda lembrança é uma espécie de herança afetiva. Não é preciso dourá...

"Precisava Dar Uma Palavrinha Contigo"...

  Ela disse isso em voz baixa, como quem não quer interromper o silêncio do mundo. Disse olhando para o céu de fim de tarde, onde as nuvens iam mudando de tom como se também procurassem por alguém. Era só uma palavrinha. Nada grandioso, nada que precisasse de resposta — bastava que ele a ouvisse. Talvez por isso repetisse tantas vezes, sozinha na varanda, enquanto o vento brincava com a cortina: “Precisava dar uma palavrinha contigo…” Queria contar que o café ainda ferve no mesmo horário. Que a xícara dele continua no mesmo lugar, embora ninguém mais a use. Que ela aprendeu a cuidar das plantas — até daquelas que ele dizia que só sobreviviam na teimosia(essa ele batizou de Silvinha...) E que, por mais que os dias passem, há uma ausência que não aprende a se calar. Ela não queria muito. Só dizer que às vezes sente raiva. Outras vezes, saudade. E quase sempre, as duas juntas, como se o amor, depois da partida, tivesse virado um novelo de nós apertados no peito. Queria pergun...

Véspera

Prefácio “Viver é estar em véspera: do amor, da perda, da coragem ou do silêncio. E há dias em que a véspera é o que nos mantém vivos.” Este livreto nasceu dos intervalos. Das pausas antes da fala, do silêncio entre duas escolhas, da respiração que antecede o grito ou o perdão. Cada capítulo que se segue é uma janela aberta para personagens que não sabem — ainda — o que fazer com o que sentem. Eles vivem no quase. No ainda não. No talvez. E é justamente aí que se desenrola a alma da história. Véspera não oferece recomeços fáceis, nem finais redentores. As pessoas aqui não são heróis nem mártires. São como nós: atravessadas pelo tempo, por ausências, por desejos que se desorganizam. Levam consigo a esperança miúda de que alguma coisa, mesmo que pequena, ainda possa acontecer. Clara, Vicente, Irene, Mariana. Todos diferentes. Todos à beira. Cruzam-se sem saber que suas dores têm raízes parecidas. Cada um deles tenta — à sua maneira — deixar de ser espera e tornar-se presença. Às ...