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Mostrando postagens de janeiro, 2025

A Última Viagem

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Acordei sobressaltada, o coração batendo como um pássaro preso em gaiola. O peito arfava como se tivesse corrido um longo caminho, mas meus pés estavam imóveis sob os lençóis. O suor frio na nuca, os dedos tremendo levemente enquanto buscavam, no escuro, o contorno familiar do teu corpo ao meu lado. Mas não estavas. A cama parecia imensa, vazia de ti, como se o colchão tivesse se expandido num território sem fronteiras. Estendi a mão pelo lençol ainda morno, a esperança tola de que talvez tivesses apenas se virado de lado, perdido em sonhos. Mas a curva do teu ombro, o peso da tua respiração, o calor do teu corpo — nada estava ali. Olhei ao redor. O quarto estava mergulhado em sombras densas, sufocantes. A janela quadrada não deixava passar um fio de luz, apenas um vazio cinzento e mudo. Nem a lua, nem as estrelas, nem mesmo o reflexo da rua lá fora. Era como se o mundo inteiro tivesse se fechado contigo. Meu amor, onde estás? Foi então que lembrei. Tu partiste. Para a tua última viage...

Saudade

Saudade é essa presença silenciosa que nos envolve sem aviso, instalando-se na alma como um sopro de tempos que foram intensamente vividos. Ela não escolhe hora nem lugar; simplesmente se impõe, trazendo à tona lembranças preciosas, rostos queridos e momentos que deixaram marcas profundas. Sentimos saudade daquilo que amamos, das experiências que nos trouxeram felicidade, da vida que, em certos instantes, pareceu perfeita em sua simplicidade. Ninguém sente falta da dor ou do que nos feriu. O que nos move não é o sofrimento passado, mas a nostalgia do que nos fez bem, das risadas sinceras, dos abraços demorados, das palavras que aqueceram o coração. Mais do que um lamento pelo que já não é, a saudade pode ser um convite a reviver a essência do que nos fez felizes, de um jeito novo, mas igualmente verdadeiro. Que saibamos transformar a saudade em impulso, em um trampolim que nos lança para novas experiências. Nada na vida se repete exatamente, mas há sempre a possibilidade de resgata...

Somos Lembraças

No fim das contas, somos apenas lembranças. Nascemos, crescemos, enfrentamos o mundo com suas exigências e desafios, mas a única certeza que carregamos é a de que, mais cedo ou mais tarde, partiremos. E, nesse intervalo entre o início e o fim, consumimos nosso tempo com preocupações muitas vezes pequenas, efêmeras, que nos afastam do essencial. Quantas vezes adiamos gestos simples e significativos porque estamos ocupados demais tentando "nos livrar" das obrigações cotidianas? Mas livres, para quê? A busca incessante por liberdade pode se tornar uma prisão, uma fuga do que realmente importa: o momento presente, as conexões verdadeiras, as memórias que cultivamos. Vivemos em um mundo onde muitos agem com arrogância, acreditando serem superiores aos outros, como se posses, realizações ou opiniões os tornassem mais valiosos. Mas, ao final, tudo isso se dissolve. O que resta não são os bens materiais ou os feitos grandiosos, mas as lembranças que deixamos. E essas, sim, estão ...

O Silêncio Que Fala

Albert Camus, filósofo contemporâneo, nos convida a refletir sobre a profundidade das relações humanas, o tempo e o silêncio. Em suas obras, ele nos faz perceber que o essencial muitas vezes está no não dito, no espaço vazio entre as palavras, naquilo que não conseguimos nomear, mas sentimos. Para Camus o silêncio não é ausência, mas potência. É nesse estado que a verdade emerge, desarmada e sem artifícios, porque não estamos distraídos pelas distrações do ruído. Ele argumenta que vivemos em uma era em que o excesso de informações e estímulos sufoca nossa capacidade de contemplação. O silêncio, nesse contexto, é um ato de resistência. É o momento de nos reconectarmos com o nosso eu mais íntimo, longe do barulho do mundo. Em suas reflexões sobre o tempo, Camus descreve o presente como o único lugar onde a vida verdadeiramente acontece. O passado e o futuro, embora importantes para a narrativa da nossa existência, são construções mentais que muitas vezes nos impedem de sentir o agora...

Querido Filho

Hoje escrevo com o coração aberto, transbordando de saudades e carregado de palavras que nunca imaginei ter que organizar assim. Cada letra é uma tentativa de tocar onde minhas mãos não alcançam mais, mas onde meu amor continua vivo, atravessando o que nos separa. Desde o momento em que você chegou, trouxe luz e alegria para minha vida. Foi como se o mundo ganhasse uma nova cor, um sentido renovado. Eu me lembro das suas primeiras descobertas, do som da sua risada ecoando pela casa, da forma como seus olhos brilhavam ao enxergar beleza em coisas tão simples. E me pergunto: como algo tão puro e tão belo pôde ser levado tão cedo? Ainda me pego imaginando como você estaria hoje. Será que teria mudado o mundo com a sua bondade? Será que continuaria a me ensinar, mesmo sem perceber, sobre paciência, ternura e o amor incondicional? Porque foi isso que você fez em cada momento que esteve aqui. Você me transformou. Você me ensinou o que é amar sem limites e, agora, me ensina a suportar o v...

Onde Quer Que Eu Vá

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A chuva tamborilava no vidro da janela, criando um ritmo constante que ecoava no silêncio da pequena casa. Ana observava as gotas escorrerem, como se fossem fios de memórias deslizando por sua mente. O cheiro de café recém-passado preenchia o ar, mas ela não tinha vontade de se mover. A xícara, já morna, repousava em suas mãos como um último vestígio de conforto. Havia um caderno aberto à sua frente, as páginas ainda em branco. Não era a falta de palavras que a incomodava, mas a ausência de sentido em preenchê-las. Desde que Gabriel partira, tudo parecia ecoar um vazio insuportável. Eles haviam se conhecido em uma tarde de primavera, em um parque que Ana visitava para encontrar inspiração. Ele era como um raio de sol inesperado, iluminando até os cantos mais escuros de seu coração. Gabriel tinha o dom de transformar o ordinário em extraordinário. Um simples passeio de mãos dadas parecia conter o peso de um universo inteiro. Ana sempre soubera que ele não era um homem comum, mas nunca i...

Vida e Perdas

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Joana nasceu sob o signo das tempestades, embora as estrelas nunca houvessem conspirado para lhe dar um destino menos tumultuado. Desde pequena, parecia carregar em si uma tristeza latente, como se sua alma fosse moldada em um terreno onde o vazio e a plenitude coexistissem. Sua avó paterna, com quem compartilhava tardes de histórias e silêncio, foi a primeira a partir. Joana tinha apenas oito anos, e naquela idade, aprendera pela primeira vez o peso de um adeus que não tinha volta. Seu pai, Carlos, era o próximo na lista cruel das perdas. Joana o amava de uma forma que transcendia palavras, como se ele fosse o fio invisível que a conectava ao mundo. André partiu de maneira abrupta, arrancado de sua convivência por um acidente que a lógica não explicava e que o coração dela jamais quis compreender. Joana tinha dezesseis anos, e a ausência dele parecia ecoar por todos os lugares da casa e dentro de si. A dor transformou-se em um buraco que nenhuma tentativa de consolo conseguia preenche...

Viver Não é Para os Fracos

Viver é um ato de coragem diária. Não existe manual, roteiro ou garantias. Cada amanhecer nos joga no meio de uma batalha que nem sempre escolhemos, mas que, de alguma forma, precisamos enfrentar. Há quem viva no piloto automático, deixando a vida escorrer pelas mãos, como quem canta “deixa a vida me levar” e aceita o que vier. Mas há também aqueles que se levantam todos os dias dispostos a encarar de frente o que vier, mesmo que seja difícil, exaustivo ou até cruel. O simples fato de acordar já nos coloca diante de escolhas, e com elas vem a responsabilidade de gerenciar os momentos, grandes ou pequenos. A vida não para para que a gente respire, organize os pensamentos ou se recupere. Às vezes, ela atropela. Outras, fere. Outras ainda, confunde, fazendo com que percamos o rumo. E, ainda assim, seguimos, mesmo quando nossos pés pesam e a estrada parece infinita. Nos dias em que os desafios parecem insuportáveis, buscar força se torna uma necessidade. Alguns se ancoram na família, u...

Eu Te Empresto Meus Olhos

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Eu te empresto meus olhos, porque é através deles que quero que continues a enxergar o mundo. Verás, com eles, teus filhos e teus netos brilharem, como sempre sonhaste. Quero que saibas que tua ausência nos pesa, mas seguimos adiante. Sem você, os dias são mais cinzentos, e a casa já não ressoa a mesma alegria. Ainda assim, estamos nos esforçando. Tu foste, és, e sempre serás o responsável por nossa família. Pela união que construíste com cuidado, pelo sucesso que semeaste em cada um de nós. Quero que saibas que tua memória é um farol, guiando-nos nos momentos difíceis, iluminando o caminho nos dias mais escuros. Nossa casa sente tua falta. As paredes, outrora preenchidas com tua voz, ecoam o vazio. A cama, cúmplice de nossos sonhos compartilhados, perdeu o calor do teu corpo. E meu coração, esse que parecia tão forte, sente saudade da tua ternura, da tua força silenciosa que fazia tudo parecer tão simples. Mas quero que saibas que, enquanto eu estiver aqui, tua presença será mantida v...

Silvia e a Biblioteca das Vidas Possíveis

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Desde menina, Silvia era fascinada por histórias. Ficava atenta a tudo que pudesse se transformar em um conto, enxergando em cada detalhe do cotidiano uma possibilidade narrativa. Na pequena cidade onde vivia, poucas coisas aconteciam: nascimentos, mortes, nada trágico. Ainda assim, Silvia tinha o dom de transformar o ordinário em algo fantástico. Mas o verdadeiro fantástico estava dentro de um armário embutido, no último quarto da grande casa onde morava. Esse armário era mais do que um móvel: era sua biblioteca secreta, um lugar onde inúmeras vidas e experiências habitavam. Silvia guardava e zelava por esse espaço como quem cuida de um tesouro. Ela acreditava que, dentro de uma biblioteca, era possível viver todas as vidas imagináveis, ser todas as pessoas que desejasse. No entanto, por ainda ser muito jovem, Silvia não compreendia o potencial daquele refúgio. Muitos a consideravam apenas uma inventora de histórias. Sempre que contava suas narrativas para a vizinhança, sentia os olha...

Da Dor à Poesia

 Era uma manhã fria de outono quando o inevitável aconteceu. Laura acordou com um sobressalto, um peso no peito que parecia anunciar o fim de um ciclo, de uma era. No canto do quarto, as cortinas dançavam suavemente ao som de uma brisa melancólica, enquanto os primeiros raios de sol penetravam a vidraça em um brilho opaco, quase triste. Carlos, seu companheiro de quase cinco décadas, estava ali ao seu lado, mas não respirava. A pele dele tinha uma tonalidade pálida que Laura nunca vira antes, e seus olhos, sempre tão cheios de vida, estavam fechados em um último repouso sereno. Ela tocou-lhe o rosto com as pontas dos dedos, como se o gesto pudesse trazê-lo de volta. Mas a fria realidade a golpeou com força. Ele havia partido. O luto veio como uma tempestade. Nos primeiros dias, Laura vagava pela casa como um fantasma, perdida em memórias que a assombravam e a confortavam ao mesmo tempo. Cada canto guardava um fragmento do que eles tinham sido juntos: a poltrona desgastada onde ...

Sobre o Tempo

A vida, em sua natureza enigmática, tem o curioso talento de nos surpreender com movimentos bruscos, como se estivéssemos dançando em um tablado que subitamente desaparece sob nossos pés. Essas rasteiras, aparentemente cruéis, nos desestabilizam, provocam dor, revolta, e um senso de injustiça que, à primeira vista, não conseguimos compreender ou aceitar. Entretanto, com o passar do tempo — esse senhor tão misterioso quanto implacável — as emoções se aquietam, a poeira assenta e, com a cabeça fria, começamos a enxergar algo que antes estava oculto: a ordem natural das coisas. O tempo, afinal, é o grande maestro da nossa existência. Ele orquestra cada nota da nossa jornada com uma precisão que, por vezes, escapa à nossa capacidade de percepção. Quando nos perguntamos “E se?”, estamos, na verdade, tentando confrontar essa força invisível, imaginando realidades paralelas que poderiam ter acontecido caso tivéssemos tomado outras decisões, seguido outros caminhos ou dito outras palavras. N...

O Velório de Beatriz

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Beatriz acordava cedo, antes do sol despontar no horizonte. As primeiras luzes do dia, ainda tímidas, eram suas companheiras enquanto vasculhava os obituários. Nomes desconhecidos, rostos que jamais veria, vidas que nunca cruzaram o seu caminho preenchiam aquelas páginas. Com um suspiro, anotava um ou dois velórios do dia e traçava o itinerário mental. Era preciso rapidez, principalmente se quisesse assistir à missa e ainda conseguir algum espaço na sala do velório. Ao passar pela cozinha, já deixava a mãe ajeitada. Dona Laura, beirando os noventa, mal percebia o movimento da filha em busca de sua peregrinação diária. Beatriz cuidava dela com zelo, mas era no choro pelos mortos que encontrava seu verdadeiro alívio. A pequena cidade em que moravam oferecia algum conforto à vida discreta que levavam. Beatriz, sem filhos, sem marido e sem grandes amizades, encontrava nos velórios uma companhia que lhe soava íntima. Naquele ambiente onde as lágrimas eram justificadas, ela derramava as ...

Viver e Agradecer

 A vida é um presente que muitas vezes esquecemos de desembrulhar com a devida atenção. Na correria do dia a dia, perdemos a oportunidade de olhar ao nosso redor e perceber as tantas dádivas que nos rodeiam. Respirar o ar fresco de cada manhã, sentir o calor de uma família que construímos com amor e compartilhar momentos com os amigos que escolhemos ao longo da jornada são pequenas grandes razões para agradecer. Mas será que conseguimos realmente valorizar essas bênçãos? Vivemos tão absorvidos por prazos, compromissos e demandas que, muitas vezes, deixamos de lado aquilo que realmente importa. Cada respiração, cada risada, cada instante compartilhado é um lembrete de que estamos vivos. E estar vivo é, por si só, uma oportunidade única de sentir, amar e transformar. Viver um dia de cada vez, com o coração aberto, é um exercício constante de gratidão. Não apenas pelo que temos, mas pelo que podemos oferecer ao mundo. O amor que recebemos nos fortalece, mas é na reciprocidade que ...

Vida Sem Você

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De quem foi essa ideia estúpida de que eu posso viver sem você? A frase pairava no ar como uma flecha suspensa, pronta para perfurar a pele do silêncio. Sara a pronunciou em voz alta, sentada à mesa da cozinha, diante de uma xícara de café que esfriava lentamente. O sol filtrava-se pelas cortinas finas, iluminando as migalhas de pão que restavam no prato, as mesmas que ele sempre implicava que ela deixava espalhadas. Há meses, aquele lugar era compartilhado por dois. Agora, era apenas ela. Desde que Francisco partira, Sara tentava preencher os dias com afazeres, como se a organização da casa pudesse arrumar também o caos dentro dela. Mas o vazio não se deixava enganar por truques. Ele estava lá: entre as roupas que ainda guardavam o perfume dele, na gaveta do banheiro onde a escova de dentes permanecia intocada, e, principalmente, no lado esquerdo da cama, que se recusava a aquecer. Ela ainda se lembrava do momento exato em que ele se foi, como uma fotografia que o tempo não desbotaria...

O Que Tiver Que Ser

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O cheiro do café fresco se espalhava pela casa como um consolo. Laura olhava pela janela da cozinha, perdida nos tons acinzentados do amanhecer. A velha fazenda em que crescera parecia um reflexo de sua alma: desgastada pelo tempo, mas ainda de pé, sustentada por memórias e segredos enterrados. Laura tinha voltado para a fazenda após quase duas décadas longe. A morte repentina de sua mãe a puxara de volta como uma maré inevitável. Deixara uma vida confortável na cidade, um emprego estável, e um relacionamento que era mais conveniência do que amor. "É só por um tempo", dissera a si mesma ao fechar a porta de seu apartamento. Mas algo em seu peito sussurrava que essa volta seria definitiva. No sótão da casa, Laura encontrou uma caixa que parecia nunca ter sido aberta. Dentro, estavam cartas escritas à mão, todas endereçadas a ela. A caligrafia era de seu pai, um homem que ela acreditava ter abandonado a família quando ainda era uma criança. Mas as palavras nas cartas contavam u...

Somos Todos Notas da Mesma Melodia

No vasto palco do mundo, cada pessoa é uma nota, uma vibração única, mas que pertence ao mesmo conjunto de possibilidades: as sete notas musicais. Essas notas, simples e universais, transcendem fronteiras, idiomas e culturas. Da mesma forma que a música, somos seres diversos, mas ligados por uma essência comum, algo profundo que nos conecta além das aparências e diferenças. As sete notas — dó, ré, mi, fá, sol, lá, si — são como marcas universais, capazes de gerar infinitas combinações de melodias. Nós, como humanidade, somos as partituras vivas, cada um trazendo sua própria harmonia, suas nuances e suas pausas. Algumas melodias são suaves e serenas, outras intensas e marcadas por dissonâncias. Há momentos de caos, em que as notas parecem não se encaixar, mas mesmo nesses instantes há beleza, porque tudo é parte de uma composição maior. Assim como nas cinco linhas da pauta musical, nossas vidas se desenrolam sobre bases que nos sustentam e nos orientam. A família, a cultura, as expe...

As Gavetas da Mente e Suas Chaves Específicas (Crônica)

Nossa mente é um vasto móvel de gavetas, cada uma guardando memórias, ideias, valores e sentimentos. Cada gaveta tem sua chave, única e intransferível, como as portas que abrem e fecham os capítulos da nossa vida. Às vezes, perdemos essas chaves. Outras vezes, confundimos as gavetas. E é nesse desencontro que o caos se instala. Quando as gavetas da mente estão desordenadas, somos lançados num turbilhão. Sentimentos que não deveriam se misturam, ideias perdem seu contorno, e antigos valores parecem se dissolver diante do novo. É um momento de profundo desassossego, em que o conhecido dá lugar ao incerto e o chão firme cede espaço ao vazio. Mas há beleza no caos, mesmo quando ele dói. É nele que nossa mente busca reorganizar-se, criando novos caminhos e ajustando o que ficou para trás. Esse processo não é rápido, nem confortável. É como abrir uma gaveta emperrada: exige força, paciência e, às vezes, aceitar que algo dentro pode se partir antes de encontrarmos o que buscamos. A dor,...

Os Avatares Que Vestimos ao Longo da Vida

Todos nós temos nossos avatares — máscaras que vestimos ao longo da vida. Elas surgem de forma quase instintiva, seja para nos proteger, seja para sermos aceitos em um grupo, em um ambiente de trabalho, ou mesmo no seio familiar. A necessidade de pertencimento, tão intrínseca ao ser humano, muitas vezes nos leva a moldar nossa essência para caber em espaços que parecem não ter sido feitos para nós. Quando nos damos conta de que não nos sentimos parte de um lugar, surge o impulso de criar um avatar. Ele pode ser a pessoa sorridente e confiante no trabalho, o membro da família que mantém tudo sob controle, ou o amigo que sempre parece estar bem, mesmo quando não está. Essas máscaras são adaptações, estratégias de sobrevivência emocional que, em um primeiro momento, nos ajudam a atravessar os desafios do cotidiano. Porém, com o tempo, essas máscaras podem se tornar parte de nós. O que começou como uma ferramenta temporária para lidar com o mundo externo pode confundir nossa percepção ...

A História Que Nunca Foi Contada

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Tudo começou seis meses antes daquele fatídico verão, quando Isadora encontrou uma antiga caixa de madeira no porão da casa. Dentro dela, havia cartas, fotos e documentos que pertenciam ao avô que ela nunca conhecera. O que deveria ser uma descoberta inofensiva revelou algo aterrador: Eduardo Monteiro, seu pai, tinha um passado oculto que contradizia tudo o que Isadora acreditava saber sobre ele. Entre as páginas amareladas das cartas, Isadora descobriu que Eduardo, antes de se casar com Helena, havia cometido um crime grave que fora abafado graças à influência de sua rica e poderosa família. Isadora passou semanas lutando contra a dúvida e a culpa. Revelar ou não a verdade? Ela sabia que aquele segredo tinha o poder de destruir sua família, mas mantê-lo a corroía por dentro como um veneno lento. Naquela manhã sufocante, enquanto o café fumegava nas xícaras e risadas ocasionais preenchiam o ambiente, Isadora finalmente tomou sua decisão. Ela não aguentava mais o peso do que sabia. Apro...

Viver Um Dia de Cada Vez: A Sabedoria do Presente

A vida, com sua dança imprevisível de acontecimentos, nos convida constantemente a viver no presente, mesmo quando nossos pensamentos insistem em vagar para o futuro ou se perder no passado. No contexto da doutrina espírita (não sou estudiosa, nem conhecedora do espiritismo, para mim são somente especulações e curiosidade) que sugere que esta década será marcada por grandes revelações e descobertas, esse convite se torna ainda mais relevante. Afinal, é no presente que construímos a base do que está por vir. Viver um dia de cada vez não significa ignorar o futuro, mas reconhecer que ele é moldado pelas escolhas que fazemos hoje. É claro que planejar é necessário – o agricultor que lança as sementes precisa confiar que a colheita virá. Porém, mergulhar de forma obsessiva nas incertezas do amanhã pode nos afastar daquilo que realmente importa: o momento presente, o único que está efetivamente ao nosso alcance. A humanidade, segundo o espiritismo, caminha para um período de grandes tra...

O Psicopata da Rua das Flores

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Gabriel era o perfeito exemplo de um cavalheiro. Alto, de cabelos castanhos bem penteados, olhos penetrantes e um sorriso capaz de desarmar qualquer um. Na Rua das Flores, onde morava, era adorado por todos. As vizinhas comentavam sobre sua gentileza, os comerciantes elogiavam sua educação, e as mulheres... bem, elas simplesmente não resistiam ao seu charme. Mas por trás de toda essa aparente perfeição, escondia-se um homem frio, manipulador e perigosamente inteligente. Gabriel não escolhia suas vítimas ao acaso. Ele as observava cuidadosamente, estudava seus gostos, medos e fraquezas. Quando decidia se aproximar, sua abordagem era impecável. Era um homem de palavras doces e gestos calculados, que fazia com que suas vítimas se sentissem especiais, únicas. Mas, uma vez que elas estavam completamente envolvidas, a máscara caía. Clara foi uma dessas mulheres. Jovem, sonhadora, havia acabado de se mudar para a Rua das Flores em busca de um recomeço. Gabriel a avistou no mercado, escolhendo...

Morrer Como Um Beijo

 Morrer como um beijo... Como essa ideia me atravessa a alma e me faz refletir. Não preciso de profundo conhecimento da Cabala para sentir a poesia contida nessa frase, a beleza simples de imaginar o último suspiro como um toque leve, um encontro delicado, um adeus cheio de ternura. Se a vida é um conjunto de encontros, talvez a morte não precise ser algo diferente. Penso na suavidade de um beijo: ele é breve, mas deixa um rastro. Uma marca invisível, um calor que persiste. E se a morte fosse assim? Um instante tão cheio de significado que não caberia em palavras, mas que deixaria em quem fica a memória do gesto, da entrega, da paz. Morrer como um beijo é imaginar que o fim não precisa ser um rompimento brusco, mas uma transição suave, um passo para outro lugar. Talvez o beijo não seja apenas o fim, mas também um convite. Um convite para quem parte seguir adiante e para quem fica aprender a deixar ir. A ideia me traz consolo. Não porque a morte deixe de ser dor ou ausência – ...

Um Ano Novo de Esperança e Reflexão

 O ano mudou. Um ciclo se fechou, e o novo se abre como uma página em branco, esperando que escrevamos nele. Segundo a Cabala, este é o ano 9, um número poderoso, que carrega em si a promessa de transformação e renovação. Um ano que pode trazer finais necessários e a preparação para novos começos. Um bom ano, dizem. E acreditamos. Mas hoje, no terceiro dia, ainda vemos sombras cobrindo partes do mundo. Tragédias que nos alcançam pelas telas, notícias que rasgam o coração, rostos de sofrimento que insistem em nos lembrar que o caminho ainda é longo. Em meio a isso, somos convidados a ampliar nossa visão: olhar além do óbvio, ver não apenas o que está à frente, mas também o que pulsa ao redor, dentro e além de nós. Ao mesmo tempo, precisamos cuidar do nosso pequeno mundo. Aquele que habita nossas casas, nossas mesas, nossos braços. Esse universo íntimo onde cada gesto importa, onde cada palavra deixa marcas. É ali que podemos semear as mudanças que desejamos ver no mundo grande. ...

As Amigas e o Santo Casamenteiro

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Madalena e Tereza eram inseparáveis desde a infância. Cresceram juntas numa vila de interior onde a tradição era tão antiga quanto os casarões. Passaram a juventude sonhando com vestidos brancos e uma casa com varanda florida. Aos vinte e poucos anos, com os enxovais prontos, as toalhas de renda cuidadosamente bordadas e cheirando a naftalina, começaram a se perguntar por que os pretendentes não apareciam. Determinadas a mudar o destino, fizeram um pacto: "Vamos apelar ao santo casamenteiro!" Era junho, mês das festas juninas, e as promessas ao Santo Antônio começaram. Escreveram bilhetes, viraram o santo de cabeça para baixo e até jejuaram. "Ele não vai resistir à nossa devoção", dizia Madalena. Tereza concordava, já imaginando o nome do futuro marido escrito nas fitas coloridas das romarias. Na grande romaria anual, conheceram dois romeiros: Antônio, um comerciante falador e bonachão, e João, um agricultor tímido com um sorriso fácil. Os encontros na estrada trans...

O Valor do "Não"

Dizer "não" nunca foi fácil para mim. Talvez por medo de decepcionar, talvez por querer agradar ou evitar desconfortos, o "sim" sempre parecia o caminho mais simples. Mas com o tempo, aprendi que o "sim" constante cobra um preço alto – de energia, de tempo e, muitas vezes, da própria paz interior. Há uma estranha resistência em negar algo, especialmente quando sabemos que poderíamos fazer. Parece egoísmo ou descaso, mas, na verdade, o "não" pode ser um gesto de profundo respeito – por nós mesmos e pelos outros. Afinal, um "sim" dado sem vontade é muitas vezes um "não" silencioso à nossa própria felicidade. Em 2025, decidi que o "não" precisa encontrar seu lugar na minha vida. Não por rancor, mágoa ou preguiça, mas porque entendi que não podemos abraçar o mundo quando estamos esgotados. É preciso deixar claro: o "não" também é saudável. Ele cria espaço para os nossos "sins" mais sinceros, aquel...