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Mostrando postagens de outubro, 2024

Sexto sentido

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Lucinha estava inquieta naquela noite. Augusto percebeu desde o momento em que entraram em casa, mas foi quando ela, finalmente, quebrou o silêncio, que ele se deu conta de que a conversa tomaria um rumo inesperado. — O que tu acha da nossa vizinha do 301? Perguntou Lucinha, com um olhar quase acusador. Augusto, tomado de surpresa, tentou disfarçar o susto com humor: — Eu, hein? Por que essa pergunta agora? Só pra quebrar o clima? Essa é a desculpa de hoje, pra não estarmos juntos? Disse ele, rindo nervoso. Na realidade, Augusto escondia um pequeno segredo: Candinha, a vizinha do 301, uma moça simpática e sorridente, chamava sua atenção de uma forma que ele nunca havia admitido. Mesmo sabendo que o casamento com Lucinha era sólido, ele não conseguia evitar o impacto que a jovem exercia sobre sua imaginação, especialmente nos breves momentos que trocavam um “bom dia” no elevador ou no hall do prédio. Lucinha, porém, não desistiu da conversa: — Ah, para, Augusto! Já ouvi dizer que ela é ...

Dois olhos

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Clarice, envolta em uma solidão densa e quase palpável, hesitou em cumprir o plano de ir ao museu. Era uma promessa que havia feito ao marido pouco antes de sua partida. Ele insistira para que ela redescobrisse a beleza do mundo pelos próprios olhos, como se tivesse uma premonição do que estava por vir. No museu, Clarice caminhou pelas salas amplas, observando as pinturas e esculturas com um olhar novo. No entanto, tudo parecia distante; cada obra parecia envolta em uma camada invisível que a isolava, tornando-se quase inacessível. Sentia-se uma intrusa na própria vida, presa entre as memórias de um passado compartilhado e o vazio do presente. Então, ao entrar na sala das fotografias, algo mudou. Ela parou em frente a uma imagem que parecia falar diretamente com sua alma. Ali, Clarice encontrou um reflexo de si mesma, uma lembrança da força que ainda habitava dentro dela, mesmo após a perda. A foto capturava um olhar cheio de ternura e intensidade – o mesmo olhar que seu marido tinha a...

Vivi

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— Acorda, Adroaldo! Deixa eu abrir esse quarto, tá com cheiro de bebida! Que noitada foi essa, hein?Chamou Dona Terezinha, batendo à porta. Adroaldo, ainda atordoado pelo efeito da noite anterior, sentiu o peso das palavras de Terezinha como um soco. Despertou, cansado e com um vago sentimento de insatisfação. — Ah, essa vida... Murmurou para si, reconhecendo que sua realidade estava longe do que ele um dia havia imaginado. O casamento com Terezinha, depois de quase quarenta anos, era uma convivência silenciosa, uma rotina sem grandes trocas ou afeto. Cada um seguia suas próprias rotas, convivendo sem que realmente compartilhassem a vida. O casal apenas se suportava, mantendo o que restava do que um dia fora uma união. E a situação se agravava ainda mais quando o assunto era o filho Vitinho. Vitinho era um rapaz sensível, calmo, e que, em muitos aspectos, destoava do pai. Para Adroaldo, ele parecia distante das tradições que ele tanto prezava, o que sempre gerava atritos. Adroaldo quer...

Um grito no silêncio

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Era madrugada, e o silêncio tomava conta do apartamento vazio. As janelas abertas deixavamentrar o ar frio, que se misturava ao peso da escuridão. Mariana estava sentada na poltrona da sala, rodeada de fotografias e lembranças. Em seus olhos, o cansaço da dor que não se dissipa, da saudade que se agarra a cada poro do corpo, trazendo apenas vazio. Fazia pouco mais de um ano que perdera Lucas, e, desde então, sua vida parecia girar em torno do luto, da solidão, e de uma angústia que nenhuma palavra conseguia descrever. Lucas havia sido mais que seu marido. Era seu amigo, seu porto seguro, a pessoa com quem compartilhava o riso e o silêncio. Quando ele partiu, a vida de Mariana desmoronou de uma forma que ela não sabia como reconstruir. Amigos, família, até mesmo colegas de trabalho tentaram trazê-la de volta à vida, mas nada parecia ser capaz de preencher o vazio imenso que o deixara em seu peito. A princípio, ela acreditou que seria uma fase. Que a dor, em algum momento, iria se tr...

Concha

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Horácio ficou paralisado. O tempo ao seu redor pareceu parar quando viu aquela mulher miúda entrando no restaurante acompanhada por um homem, que parecia ser seu companheiro. Eles entraram de braços dados, e ele mantinha a mão espalmada sobre a cintura dela, com um toque possessivo que logo escorregou para as costas e a lateral das nádegas. Horácio notou que ela não parecia confortável; sutilmente, afastava a mão dele com toques leves, quase imperceptíveis, que deixavam transparecer uma leve inquietude. Enquanto se acomodavam em uma mesa próxima, Horácio não conseguia tirar os olhos da mulher. Seus amigos falavam, as risadas e os brindes soavam ao seu redor, mas ele estava em outro lugar, completamente alheio à movimentação do restaurante. Tudo o que enxergava eram os olhos escuros e expressivos da mulher. Ele a observava com uma curiosidade irresistível e um encantamento que nunca havia sentido. Era como se aquela mulher, desconhecida até então, tivesse uma presença magnética, que cha...

O voo

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O voo transcorria de forma tranquila até que, próximo da chegada a Singapura, uma turbulência intensa pegou todos os passageiros de surpresa. Em meio ao susto, um casal que até então não havia trocado uma palavra ou sequer um olhar se viu impulsionado a conversar. No início, o diálogo foi tímido, mas logo descobriram uma sintonia natural, como se fossem velhos conhecidos. A cada troca de palavras, esqueciam do perigo e da proximidade do que poderia ser um desastre. Era como se, naquela iminência do fim, duas almas perdidas finalmente tivessem se encontrado. Conversaram sobre suas vidas, suas dores, seus sonhos. Ele era casado e vivia dias difíceis. Sua esposa, após o nascimento dos gêmeos, havia sido diagnosticada com um câncer agressivo. As chances de cura eram pequenas, e ele cuidava dela com dedicação e tristeza, sabendo que o tempo juntos se tornava cada vez mais escasso. Em resposta ao seu relato, a moça – filha única, criada em uma família bem estruturada, sem grandes dificuldade...

Cartas Mãe e filha

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Carta 1: Mãe, Estou te escrevendo pela primeira vez depois de tantos anos de silêncio entre nós. Dizer que é fácil seria mentira. Não é. Passamos tanto tempo guardando palavras não ditas, que, hoje, sinto que essas cartas são minha última chance de te dizer o que está aqui, acumulado há anos. Quero que saibas que, apesar de tudo, jamais agi para te punir ou te envergonhar. Durante muito tempo, confesso, eu nem entendia as razões do que fazia. Só mais tarde percebi que meu comportamento talvez fosse um pedido de socorro, uma maneira inconsciente de expressar a dor que não conseguia colocar em palavras. Queria que soubesses o quanto me afetou aquele vazio que senti na minha infância, principalmente depois da perda da minha irmã. Lembro de observar teu olhar distante e frio e, por mais que eu tentasse, não conseguia entender o que tinha feito para te afastar. Por que me deixavas sempre à margem? Por que parecias tão indiferente às minhas conquistas, aos meus gestos? Hoje, sei que o aband...

O telefone

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Ritinha foi acordada bruscamente pelo som estridente do telefone. Demorou alguns minutos até recobrar a consciência e perceber que ainda estava vestida, estirada no sofá da sala. O telefone continuava a tocar, o que só aumentava a dor de cabeça que ela sentia. O som parecia perfurar seu cérebro, indo de um ouvido ao outro, como uma furadeira. Ela olhou para o relógio de parede, exatamente quando o “cuco” deu sinal de vida, indicando três horas da manhã. — O quê? — pensou. — Já são três da manhã? Sentiu o gosto amargo na boca, esfregou os olhos e, sem muita paciência, acendeu um cigarro, pensando: "Preciso largar esse vício; ainda vai me matar." Depois de algumas baforadas profundas, conseguiu se arrastar até a mesinha de canto, onde o telefone continuava a tocar. Bocejando, atendeu com uma voz rouca: — Alô? Nada. Falou novamente, agora com a voz menos rouca: — Alô? Quem é? Silêncio do outro lado da linha. Podia ouvir, de longe, um som ofegante, o que a deixou irritada. — Alô?...

Amigas da onça

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(Valéria) – Jura, Licinha, a Margô tá com o Betinho? (Licinha) – Tenho certeza, todo o prédio tá sabendo. Só tu não sabes. Que síndica! (Valéria) – Não costumo ser enxerida, como certas pessoas, por aí... Valéria e Licinha eram como cão e gato, mas mantinham as aparências e seguiam a lei da boa vizinhança. Afinal, eram vizinhas de porta, uma era a síndica, a outra, a tesoureira do condomínio. (Licinha) – Claro que não, Valéria, todo mundo sabe que tu cuidas de ti e dos outros! No bom sentido, amiga, afinal, és a síndica, não? As duas entraram no elevador no décimo andar, onde ambas moravam. Tentavam evitar esses encontros, pois sabiam que o “lerdinho”, como chamavam o velho elevador, demorava uma eternidade até o térreo. Quem estivesse a bordo, precisava suportar o companheiro de viagem. (Valéria) – Mas me diz uma coisa, teu marido já arranjou o tal emprego? (Licinha) – Espero que sim! Tu bem sabes, como tesoureira, que meu condomínio não está em dia. Eu mantenho minha boca fecha...

Festa dos trinta

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Verinha estava preparando a festa de seus trinta anos: balões, bandeirolas, máscaras e enfeites – todo o capricho para as convidadas. Desorganizou a casa inteira da mãe, gritando desde cedo: “Mãe, isso! Mãe, aquilo!”. A mãe já acordara dançando ao som das músicas que tocavam pela casa. Verinha queria que fosse uma festa alegre e queria mostrar que, para ela, não importava chegar aos trinta solteira. Decidiu fazer uma Festa da Luluzinha, convidando apenas amigas, a maioria já casadas e com filhos. Sua mãe, no entanto, não se conformava com a solteirice de Verinha e insistia em arranjar um marido para a filha. Verinha passou por várias situações constrangedoras e hilárias com os pretendentes ajeitados pela mãe, que vivia repetindo: – Melhor qualquer um do que ficar solteira! Deixa de ser exigente, minha filha! Vai por mim! Verinha, embora sentisse certa pressão por ainda não estar casada, não queria demonstrar isso, e então rebatia os comentários da mãe, enumerando as vantagens de sua vi...

No tempo certo

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Eram duas almas tão próximas e, ao mesmo tempo, distantes como as estrelas em lados opostos do céu. Marta e Eduardo viviam em cidades vizinhas, suas vidas entrelaçadas por coincidências quase poéticas: frequentavam os mesmos lugares, amavam os mesmos livros e até compartilhavam os mesmos amigos. Mas, como o destino às vezes prega peças, nunca se cruzaram. Era como se uma força invisível os mantivesse em órbitas separadas, atraindo-os e repelindo-os ao mesmo tempo. Marta, com o coração sonhador, partiu para uma jornada de autoconhecimento, percorrendo estradas que a levaram a amores passageiros e fugazes, a paisagens marcantes, mas não a uma vida enraizada. Eduardo, com a sensibilidade de quem ouve o silêncio das folhas caindo, seguia sua vida numa busca calma e serena por algo que ele nunca soube nomear. Os anos passaram, e as histórias que viveram os moldaram como pedras lapidadas por grandes ondas de memórias e arrependimentos. Marta, agora com os cabelos salpicados de prata, voltou ...

Nas asas da saudade

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Cláudia sempre sonhara em ser mãe, mas o tempo parecia escapar-lhe por entre os dedos. Crescera sozinha, perdendo os pais ainda jovem, e seu casamento terminara antes mesmo que o desejo de maternidade se fizesse presente. Dedicada ao trabalho em uma grande empresa farmacêutica, subiu aos poucos na carreira, enquanto sua vida pessoal ficava em segundo plano. Foi somente após a separação, já morando em Portugal, que o sonho de ser mãe aflorou em Cláudia com toda intensidade. Decidiu, então, por uma produção independente, e, depois de várias tentativas, recebeu a tão aguardada notícia: estava grávida. A felicidade a tomou por completo, e, ao dar à luz, sentiu que finalmente encontrara o sentido de sua vida. Criou seu filho com amor e dedicação, vendo-o crescer e tornar-se um jovem cheio de sonhos e planos, seu companheiro de todas as horas e verdadeiro amigo. Mas o destino, impiedoso, lançou sobre ela o golpe mais cruel. Em uma tarde como outra qualquer, recebeu a notícia devastadora: seu...

Cara de um, focinho de outros

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O encontro dos amigos da cidadezinha acontecia todos os anos e eles vinham de todos os lugares. Apresentavam suas famílias e confraternizavam entre gritos de alegria e, às vezes, de espanto. A figura sempre esperada era Claudinho – o gato da época – mas, todo ano, era decepção, o dito não comparecia! - Ele pensa que é o tal, pegou todas e depois virou o cocho! - Quantos anos sem aparecer? Dizia outra! Deve estar um bagulho, como todos nós! Claro que as mais indignadas eram as mulheres que ele havia passado na conversa e as abandonou, sacaneou todas da forma como um malandro sabe bem fazer. Clara, a mais apaixonada e inocente, teve sua vida virada do avesso ao ficar com Claudinho. Morava no internato das freiras e seria irmã, mas a tentação foi mais forte e se entregou de corpo e alma ao garanhão. A festa estava sendo preparada no clube local, seria de arromba!!! O mulherio se perguntava: - Será que esse ano ele vem? - Duvido, dizia a outra... Clara não se pronunciava, não casou, ...

Cartas

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Carta 1 Eu sei de tudo, nem tenta me enganar, quando te arrumas muito, te perfumas e toma banho todo santo dia, é porque tem. Não adianta disfarçar, sei que estas vidrado na sirigaita do 401, tenho provas do que afirmo. Só não me perguntes quais, tenho provas que estas gamado por ela, não me perguntes quais, mas posso provar que sei de tudo, tudinho. Quem diria, tu me jurou amor eterno “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza”, e agora isso?! Ah, se tivesse uma bola de cristal não teria perdido minha vida contigo! Ah, se eu soubesse… Por ti eu rompi com Ricardo, com meus amigos e até com minha família toda, para me dedicar a ti, aos teus carinhos e promessas... e para que, para ser passada para trás sem a menor explicação? Não negue, seja homem e diga na latinha, pelo menos uma vez na vida seja homem e fale na cara, seja sincero, credo! Que fraco te mostrastes, bastou que uma espevitada rebolasse na tua frente para você fazer de mim página virada? Saiba...

Dois pesos, uma medida

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A manhã estava linda, e a mesa posta parecia mais uma propaganda de margarina. Seria uma manhã dos sonhos, não fosse a fúria de Isa, que estava irada, com duas pedras na mão. Segurava, fortemente, uma foto de sua arquirrival Valerinha, nua em pelo, na cachoeira da montanha. — Esse desgraçado dizia que esse lugar era só nosso, mentiroso! É hoje que ele se arranca daqui! Batendo com os dedos na mesa de madeira, continuava destilando seu veneno. — Aproveitador, salafrário, malandro. Diz que me ama. Ama o quê? Ele se aproveita da boa vida que eu lhe proporciono! Elogios dos mais variados esperavam Cadinho, que se preparava no banheiro, depois de uma bela noite de amor com seu amor. Cadinho, sorridente, aproxima-se de Isa, que não dá trégua e abre o verbo: — Olha aqui, seu malandro, mentiroso. Pode me dizer por que guarda essa foto da piriguete, nuazinha em pelo, na nossa cachoeira? — Calma, Isa! Isso não tem mais importância, me esqueci de tirá-la da caixa que trouxe na mudança. Foi be...

Florescer no caos

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A família Vasconcelos vivia em uma casa simples, mas repleta de amor e de histórias compartilhadas. Carlos e Ana, casados há mais de vinte anos, tinham três filhos: Pedro, de dezessete, Luísa, de quinze, e o pequeno Miguel, com apenas sete anos. Eles viviam uma rotina comum, entre a escola das crianças, o trabalho no escritório de Carlos, e as consultas regulares de Ana, que cuidava da saúde após vencer uma longa batalha contra o câncer. Tudo mudou em uma tarde chuvosa de agosto. Carlos, voltando do trabalho, perdeu o controle do carro em uma curva perigosa. O impacto foi fatal. A notícia, como um raio, partiu o coração de cada membro da família. Ana mal conseguiu acreditar quando recebeu o telefonema; era como se o chão houvesse desaparecido sob seus pés. A primeira semana foi uma névoa de lágrimas e abraços silenciosos. Amigos e parentes chegavam para oferecer apoio, mas, na verdade, Ana e seus filhos estavam imersos em um vazio impossível de traduzir. Miguel, o mais novo, olhava...

Mulher de programa

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Sentada em frente ao espelho do modesto quarto do hotel, no centro da cidade, Sara exagera na maquiagem, tentando esconder as marcas deixadas por seu chefe. Um homem duro, ele avançara sobre a mulher com o intuito de “corrigi-la” por não ter atendido a um jovem cliente. Ela cobre os lábios marcados com batom vermelho, embora a dor emocional fosse muito mais profunda. Ao olhar no espelho, Sara quase não se reconhece. A figura refletida é de uma personagem que ela criou, uma fantasia que veste todos os dias para sobreviver. A mulher refletida no espelho carrega um semblante sofrido. Embora tenha apenas quarenta anos, Sara ainda guarda, no íntimo, a menina tímida que foi lançada em um mundo hostil e aos poucos se viu transformada. Quando começou sua vida “fácil”, Sara quase desistiu. Tentou trabalhar em outras áreas para ajudar a família, mas a falta de estudo e a pouca idade dificultaram essa aspiração. Sua mãe, então, a direcionou a essa vida, se tornando sua primeira figura de apo...

A vingança

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As amigas de Toninha estavam indignadas com a cretinice de Nino. "O que ele fez não se faz nem com uma cadela!" diziam, convencidas de que ela precisava ser vingada. Toninha, por sua vez, estava em tratamento médico, lutando contra uma depressão profunda, resultado direto da "cachorrada" do ex-namorido. Desde jovem, Toninha trabalhava em salão de beleza, e com muito esforço conseguiu abrir o seu próprio. A clientela era grande e fiel, e vez ou outra surgia um cliente novo. Foi assim que conheceu Nino, o homem que destruiria sua autoestima e a levaria à falência. – Esse cachorro sem vergonha, quem ele pensa que é?  Desabafava uma amiga. – Ah, ele é o gostoso! Todas caem por ele, então se aproveita... De fato, Nino era pura sedução. Alto, cheiroso e charmoso, tinha fama de destruidor de corações. E com Toninha não foi diferente. Ele usou seu crédito, esvaziou suas contas, e sujou seu nome na praça. O salão estava à beira da falência. – Processa ele! Dizia uma ...

Água e vinho

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Otávio e Mara eram um casal que tinha tudo para dar errado. Ela, uma menina centrada, estudiosa, filha de mãe viúva, fazia das tripas coração para ajudar em casa e se destacar nos estudos. Ele, um rapaz bonito, "bem-nascido", filho único, vivia intensamente a década de 70, com tudo o que tinha direito: carros, namoradas e estudos. Era inteligente demais para se dedicar com afinco ao curso que escolhera; para ele, tudo parecia fácil. Até o trabalho que seu pai lhe oferecera, para que pudesse se sustentar e manter seu esporte preferido – o automobilismo – Otávio desempenhava com facilidade. Mara precisava provar à mãe que era capaz, que tinha valor. A menina havia sofrido perdas significativas na família, sendo a maior delas a do pai, quando tinha apenas 11 anos. Ele era seu melhor amigo, e, por ser a mais velha das irmãs, Mara era mais cobrada pela mãe. O casal se conheceu nos anos 70, em uma boate da cidade. Ele, malandro e com muitas namoradas, provavelmente via em Mara apen...