Queria Escutar Teus Passos
Há sons que ficam. E há silêncios que doem mais do que qualquer grito.
Durante anos, bastava ouvir teus passos no corredor para o mundo se aquietar. A
madeira do chão rangia só pra mim, como quem anuncia o retorno de algo sagrado.
Eram compassos de um afeto que eu reconhecia de olhos fechados — teus passos
eram melodia aos meus ouvidos, trilha sonora de uma rotina que, apesar de
simples, carregava sentido.
Sabia quando era você pelo
ritmo. Tua pressa leve, teu sapato cansado, tua chegada. Não importava se o dia
tinha sido longo, se havia mágoas ou silêncios pendurados entre nós — o som dos
teus passos atravessava qualquer ruído e me dizia: "estou aqui."
E eu acreditava.
Mas agora...
O corredor segue lá. O mesmo chão, o mesmo tapete, as mesmas molduras tortas
nas paredes. Só que teus passos não vêm mais. E o que antes era espera, virou
ausência. Uma ausência que não bate à porta, não faz drama, mas que invade,
instala-se e se acomoda como poeira fina nos cantos da casa.
Teu chinelo esquecido sob a
cama ainda está onde você deixou. Teu perfume, embora quase apagado, às vezes
escapa de alguma roupa dobrada, como se ainda insistisse em ficar. Mas é só o
vazio que responde quando falo alto, quando te chamo, fingindo sem querer que
você pode ouvir.
Eu ainda me pego esperando.
Não sei se por hábito ou esperança. Às vezes, no fim da tarde, sento-me à beira
da piscina só pra tentar te escutar. Como quem ouve o vento, como quem se
engana de propósito. Há dias em que me iludo com o som do vizinho subindo as
escadas, com o cachorro da rua que late diferente, com qualquer ruído que possa
ter a tua assinatura.
Há ausências que fazem
barulho. A tua... faz silêncio. Um silêncio que não me acalma, só estica o
tempo.
E nesse silêncio, sigo convivendo com uma saudade que já não grita, mas que
também não dorme. Uma saudade que anda de meias pela casa, sem fazer alarde,
mas me arranha por dentro.
Queria escutar teus passos. Só
mais uma vez. Não para dizer nada. Nem pra perguntar por que. Só pra
reconhecer. Só pra saber que ainda existe chão entre nós dois.
Mas o que me resta são ecos — e nem todo eco devolve o que foi dito.
Ainda assim... quem sabe?
Quem sabe um dia, sem aviso, teus passos me surpreendam, em algum lugar, em
alguma esquina do tempo!
Silvia Marchiori Buss
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