O Que Cabe Numa Noite
Cabe uma ausência que pesa como pedra no peito. Cabe a lembrança de um nome sussurrado em silêncio, com medo de acordar a dor. Cabe um reencontro — ainda que só em sonho. Cabe um arrependimento atravessado, uma mensagem que ficou por mandar, um beijo que não se deu. Cabe o eco de passos antigos, de promessas feitas no escuro, onde tudo parecia possível.
Numa
noite cabe o mundo inteiro, se a alma estiver aberta.
Cabe
um suspiro demorado, a pele arrepiada pelo vento que entra pela fresta da
janela, e uma solidão tão íntima que até parece companhia. Cabe a coragem de um
começo e o cansaço de um fim. Cabe o sorriso que se guarda de alguém que foi
embora — e também aquele medo secreto de que ninguém mais venha.
Cabe
um corpo que se estende sozinho na cama grande demais. Cabe um gato ronronando
no peito, um livro entreaberto, a última taça de vinho, a canção que insiste em
repetir a lembrança.
Cabe
um mundo que só se revela quando a cidade adormece: o vizinho que chora baixo,
o amor clandestino que se despede antes do amanhecer, a mãe que vela o filho
febril, o poeta que reescreve a dor numa folha em branco.
Cabe,
às vezes, a decisão de continuar — mesmo sem saber para onde nem pra quê.
E,
em algumas noites raras, cabe também a leveza. Um riso fora de hora. Um carinho
inesperado. Uma conversa boa. A sensação de estar viva, mesmo em pedaços.
Sim,
muita coisa cabe numa noite. Inclusive a esperança de que, ao amanhecer, tudo
possa ser um pouco diferente. Ou pelo menos suportável.
Silvia
Marchiori Buss
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