A Vida Em Preto e Branco

Ela não sabia exatamente quando as cores começaram a desbotar. Talvez tenha sido numa segunda-feira qualquer, dessas que chegam sem perguntar nada e levam tudo que se tem de leveza. Ou talvez tenha sido aos poucos, como se a paleta da existência fosse se esvaziando devagar, um tom por vez — primeiro o vermelho dos desejos, depois o amarelo das risadas, por fim até o verde da esperança.

Agora, quando se olhava no espelho, via uma mulher em preto e branco. Não só nas roupas, que haviam perdido o capricho de antes, mas no olhar — especialmente no olhar. Era como se cada gesto, cada escolha, cada manhã, viesse com a mesma pergunta silenciosa: pra quê?

Mas ela continuava. Comia, trabalhava, respondia mensagens, trocava o lençol aos domingos. Ainda sabia sorrir em fotografias e fazer comentários educados sobre o tempo. Ninguém percebia que havia se instalado dentro dela uma estação sem cor. O mundo, lá fora, insistia em viver em alta resolução, mas ela seguia como se andasse num filme antigo — desses em que tudo parece ter acontecido antes, mesmo quando acontece pela primeira vez.

Era cansaço, talvez. Mas não o cansaço que se resolve com sono. Era o cansaço de carregar o peso de tudo que não foi dito, de tudo que foi deixado para depois, de tudo que não coube nas escolhas que fez. Era como morar em um lugar onde as paredes foram pintadas com lembranças, e agora já nem se lembrava de como era viver em casas novas.

Ainda assim, havia dias em que o preto e branco ganhava nuances. Um café mais forte do que o habitual. Uma carta antiga relida por acaso. A voz de um amigo que ligava só pra dizer que sentiu saudade. Pequenas rachaduras por onde, se prestasse muita atenção, um pouco de cor ainda insistia em entrar.

Ela não sabia ao certo se algum dia voltaria a enxergar a vida em tons vivos. Mas também não dizia que não. Aprendeu que às vezes, entre o preto e o branco, existe uma infinidade de cinzas que, embora discretos, também contam histórias. E ali, nesse meio-tom, era onde ela andava agora. Nem feliz, nem perdida. Apenas vivendo.

Talvez um dia — ou não — as cores voltassem.

Silvia Marchiori Buss

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