À Flor da Pele

Há dias em que o arrepio chega antes mesmo do sol. Antes do café, do espelho, da rua. Um arrepio que não vem do frio, mas da falta. Daquele espaço que ninguém vê, mas que insiste em abrir caminho entre as costelas, como se ali morasse uma ausência que aprendeu a respirar sozinha.

A saudade tem esse dom silencioso: não avisa, não pede licença. Escorrega por dentro feito vento atravessando uma fresta. E quando a gente percebe, já está com os olhos marejados diante de uma xícara esquecida, de uma camisa que ainda guarda um cheiro que a memória se recusa a deixar morrer.

É curioso como o tempo passa — e passa mesmo —, mas certas presenças não sabem obedecer à lógica dos relógios. Elas ficam. Às vezes num canto da casa, às vezes numa música, às vezes no jeito como a luz invade a sala nas manhãs de quarta-feira. Ficam nos detalhes. Ficam em nós.

E então, todo dia, ao abrir os olhos, algo pulsa à flor da pele. Como se a pele soubesse, antes da razão, que falta uma parte. E nessa falta, vive um amor que não se pode mais tocar, mas que continua acendendo memórias feito fogo em dia de vento. Rápido, quente, breve — mas suficiente para incendiar por dentro.

Não se trata de recomeçar, nem de esquecer. Trata-se de aprender a acordar com esse arrepio diário e seguir mesmo assim. Com leveza quando possível, com firmeza quando necessário. Porque há saudades que, de tão fundas, não nos paralisam: nos movem.

E é isso. Enquanto o mundo gira lá fora, aqui dentro o amor segue — invisível, intacto, inacabado. À flor da pele, sempre.

Silvia Marchiori Buss

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