A porta entreaberta
A vida de Clara mudou para sempre na manhã em que seu marido, Eduardo, partiu. Eles haviam compartilhado décadas de risos, sonhos e um amor que transcendeu o tempo. Desde aquele dia sombrio, Clara se sentia perdida, como se um pedaço de si mesma tivesse sido arrancado. A vida estacionou naquela manhã. Enquanto o sol nascia, seu amor partia. Nesse momento, um soluço se instalou no peito de Clara. As lembranças de Eduardo a acompanhavam em cada canto da casa, em cada café da manhã, quando brincavam que era a hora do “caviar com champanhe”, e em cada cheiro familiar que se infiltrava em suas memórias, tornando-se tanto um consolo quanto uma tortura.
As noites eram as mais difíceis. A noite, que sempre fora de calmaria, sossego e afagos, agora era fria e triste. Clara, imersa em um silêncio profundo, procurava sinais de Eduardo: um objeto que se movia sem explicação, uma música que parecia ecoar em seu coração. Os pássaros, que rodeavam alegremente o jardim de sua casa, agora pareciam tristes e melancólicos. Sua busca incessante pelo amor de sua vida a levou a consultar médiuns e a participar de círculos de espiritualidade, tentando encontrar um fio de conexão que a ligasse à sua alma gêmea.
Numa dessas noites, exausta pela saudade, Clara adormeceu em sua poltrona favorita, envolta em uma manta que ele costumava usar. Quando o sono a tomou, um sonho vívido a envolveu. Ela se viu diante de uma porta entreaberta, de onde emanava uma luz suave. O coração disparou ao ver Eduardo parado do outro lado, com os olhos marejados, mas serenos.
“Clara”, ele sussurrou, sua voz suave como a brisa de uma manhã de primavera. “Eu estou aqui.”
Ela correu para ele, mas ele levantou a mão, pedindo calma. “Eu não posso ficar. Esta porta representa duas escolhas. Se você vier para este lado, eu não poderei continuar. Meu amor por você me manteria preso aqui, e eu morreria novamente.”
Clara sentiu o peso de suas palavras. “Mas eu não consigo viver sem você, Eduardo. Não quero que você vá.”
Ele sorriu, um sorriso que derretia a dor que a envolvia. “Você sempre será meu coração, Clara. Mas eu preciso que você siga em frente. A vida continua, e eu estarei sempre com você, nas memórias, nos momentos que vivemos juntos. Se eu passar por essa porta, estarei vivo através de você, no seu sorriso, no seu amor.”
A decisão pesava em sua mente. Clara queria desesperadamente sentir Eduardo ao seu lado, mas, ao mesmo tempo, sabia que ele merecia a liberdade. “Como posso fazer isso? Como posso seguir em frente sem você?”
“Eu estarei sempre aqui”, ele respondeu, estendendo a mão. “A porta nunca se fechará completamente. Sempre haverá um espaço entre nós. Você pode me encontrar em cada momento de alegria, em cada risada, em cada lágrima. A vida é um ciclo, e nosso amor é a ponte que nos une, mesmo quando não estamos fisicamente juntos.”
Com lágrimas nos olhos, Clara segurou a mão de Eduardo. A conexão que sentiram era tão intensa que parecia iluminar a escuridão ao seu redor. “Eu te amo”, ela disse, com a voz tremendo de tanta emoção.
“Eu também te amo, minha eterna Clara. E enquanto você viver, eu viverei através de você.”
Com um último olhar, Eduardo começou a se afastar, e a porta começou a se fechar lentamente. Em determinado momento, parou; ela ainda podia ver e sentir a luz e o calor que emanavam daquele espaço, um lugar desconhecido para ela... um lugar que era só dele. Clara percebeu que essa era sua chance de deixá-lo ir, de permitir que ele seguisse seu caminho, enquanto ela guardaria para sempre seu amor em seu coração.
“Espere!”, ela gritou, e ele se virou. “Prometa-me que sempre serei capaz de sentir você.”
“Prometo”, respondeu ele, com um sorriso triste. “A porta estará sempre entreaberta, Clara. Nunca se esqueça de que você não está sozinha.”
E com isso, Eduardo atravessou a porta, desaparecendo na luz suave. Clara acordou de seu sonho com um novo entendimento, um peso levantado de seus ombros. Embora a saudade ainda estivesse presente, agora havia uma chama de esperança em seu coração.
Nos dias que se seguiram, Clara começou a olhar para a vida com novos olhos. Ela criou um espaço para Eduardo em sua memória, colocando fotos dos dois juntos em lugares especiais, compartilhando histórias com amigos e familiares. Em cada riso, em cada lágrima, ela o sentia ao seu lado.
Com o tempo, Clara descobriu que o amor é eterno, não se limita ao corpo, mas se expande para as memórias, as experiências e a energia que criamos. A porta entreaberta se tornou um símbolo de sua conexão, um lembrete de que, mesmo com a ausência física, o amor continua a viver, sempre presente.
Silvia Marchiori Buss
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