Um Mundo Para Cada Estupidez

Há quem diga que a estupidez é democrática — não escolhe classe, credo, cargo ou cor. Instala-se sorrateiramente nas decisões apressadas, nos julgamentos fáceis, nas certezas absolutas que brotam como erva daninha em terrenos baldios da escuta e da empatia. E talvez a humanidade tenha, ao longo da história, criado um mundo para cada tipo de estupidez — como se fosse preciso ambientar, organizar, decorar os cômodos do próprio fracasso.

Na política, a estupidez se disfarça de convicção cega. Defende bandeiras sem entender o tecido, marcha por ideias que não sabe de onde vieram, elege salvadores que não sabem sequer salvar a própria alma. Reage com ódio ao que não compreende, porque pensar dá trabalho. E assim, empurra o tempo para trás — como se a História não estivesse cansada de avisar que certos caminhos já terminaram em ruínas.

Nos relacionamentos, ela se apresenta com mais sutileza. Usa a roupa do orgulho, do controle, da expectativa irreal. É a estupidez de não escutar o outro, de não pedir desculpas, de transformar amor em território de disputa. É a burrice dos que preferem vencer uma discussão a preservar um afeto. Dos que confundem silêncio com desinteresse, ausência com desamor, vulnerabilidade com fraqueza.

Com a natureza, a estupidez humana se torna quase trágica. Desmata, envenena, seca, extermina — tudo em nome de um progresso que não sabe para onde vai. É a soberba de quem acha que pode dobrar o mundo à sua vontade, esquecendo que somos só hóspedes breves num planeta que já existia antes de nós e continuará depois. Um planeta que talvez canse primeiro da nossa arrogância do que do próprio ciclo.

Mas a maior das estupidezes talvez seja a de não perceber a estupidez. De achar-se imune, lúcido, sempre do lado certo da história. Como se cada um não carregasse, vez ou outra, sua cota de incoerência e cegueira — mesmo os que se julgam sábios, mesmo os que escrevem sobre isso.

Não há cura fácil. E nem deve haver. A estupidez humana não é um vírus externo: é uma rachadura interna, que se alarga toda vez que o medo fala mais alto que o cuidado, que o ego fala mais alto que o silêncio.

Talvez o que reste, no meio disso tudo, não seja fingir lucidez ou pregar boas práticas, mas cultivar a dúvida. Duvidar do ódio que nos contaminaram, das certezas que herdamos, da pressa com que condenamos. E aprender a escutar antes de reagir, a observar antes de destruir, a amar mesmo sem entender por completo.

Porque enquanto formos capazes de reconhecer a estupidez — inclusive a nossa — ainda há esperança de não fazer dela o único idioma possível.

Silvia Marchiori Buss

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