Um Homem Que Toda Mulher Devolve - Trilogia

PARTE UM 

A Vingança

As amigas de Toninha estavam indignadas com a cretinice de Nino.

— O que ele fez não se faz nem com uma cadela! — diziam, entre xícaras de café e revoltas acumuladas. Tinham certeza: Toninha precisava ser vingada.

Enquanto isso, ela seguia em tratamento médico, enfrentando uma depressão profunda — efeito colateral direto da "cachorrada" do ex-namorido.

Desde muito jovem, Toninha trabalhava em salão de beleza. Com esforço e talento, construiu uma clientela fiel e conseguiu abrir seu próprio espaço. Foi lá que conheceu Nino — o homem que, pouco a pouco, destruiria sua autoestima e a levaria à falência.

— Esse cachorro sem-vergonha... quem ele pensa que é? — desabafava uma amiga, trincando os dentes.

— Ah, ele é o gostoso! Todas caem por ele, e ele sabe... se aproveita!

De fato, Nino era sedução em carne e osso: alto, cheiroso, charmoso e com aquele sorriso cínico que prometia tudo — e não entregava nada. Era conhecido na praça como destruidor de corações. Com Toninha, não foi diferente: usou o nome dela para fazer compras, esvaziou suas contas bancárias e ainda sujou seu crédito. Agora, o salão cambaleava, à beira da ruína.

— Processa ele! — vociferava uma das amigas.

— Mas ela autorizou tudo… foi às claras… — ponderava outra. — Eu avisei, mas mulher apaixonada, sabe como é...

A verdade? Nino se deu muito bem. Comprou um carrão, adquiriu um belo imóvel, tudo bancado com o esforço de Toninha. Um verdadeiro canalha.

— O que esse malandro tem que os outros não têm? — perguntava a funcionária do salão, quase ex-funcionária, indignada.

— Tudo bem, ele é cretino, mas... ninguém pode negar que é um pedaço de mau caminho… — suspirava outra, com raiva e uma ponta de atração mal resolvida.

Cansadas de apenas falar, as amigas decidiram agir. Planejaram a revanche. E para isso, contrataram Zildinha — uma mulher de presença devastadora. Cabelos longos, curvas de hipnotizar, e uma confiança letal. O acordo foi selado com um cheque generoso: ela teria três meses para virar a cabeça de Nino e deixá-lo na lama emocional.

No primeiro mês, tudo parecia promissor. No segundo, a conta de Zildinha engordava, mas o coração de Nino permanecia intacto. No terceiro, ela ainda sorria com falsa segurança:

— Tá quase… Falta só isso aqui — dizia, unindo os dedos indicador e polegar com um brilho nos olhos.

Três meses e meio. Quatro. E nada.

— Isso já é abuso! — reclamava a líder do "movimento de resgate da autoestima de Toninha".

— Ela precisa se explicar! Como pode demorar tanto?

— Afinal, ela é ou não é profissional? — questionava a mais cética.

Sem aguentar a incerteza, as amigas foram até o “ninho de amor” do casal, prontas para exigir explicações. Mas foram surpreendidas por uma cena que nem o mais dramático dos salões poderia prever: Zildinha, debruçada no sofá, chorava em soluços desesperados. A mesma mulher que prometera destruir Nino, agora estava desfeita por ele.

— Ele me abandonou! — lamentava entre lágrimas, olhos inchados e voz quebrada. — Tô em depressão!

As amigas se entreolharam, sem palavras. A vingança planejada com tanta precisão havia virado comédia trágica. Zildinha era agora a nova vítima.

O ciclo, ao que tudo indicava, continuava. Nino seguia sua trilha de destruição — impune, sedutor e intacto.

E as mulheres? Restava-lhes, mais uma vez, juntar os cacos... e tentar rir para não chorar.


PARTE DOIS 

Jantar Para Um Sedutor

Nino chegou atrasado. Como sempre.

Tinha um jeito calculado de entrar em qualquer lugar: passos firmes, perfume caro, sorriso nos lábios. Era como se o mundo lhe pertencesse — e, por vezes, pertencia mesmo. Ao menos até que ele o cansasse.

Desta vez, o cenário era diferente. Um restaurante discreto, de iluminação baixa e decoração elegante. Na mesa do canto, uma mulher esperava. Morena, cabelos presos num coque sóbrio, pele madura. Seu nome era Laura.

— Perdão pela demora — disse ele, beijando-lhe a mão com teatralidade. — Um compromisso que se estendeu…

Laura sorriu, paciente.

— Imagine, Nino. Homens como você têm o tempo próprio, não?

Ele riu. Adorava esse tipo de jogo.

Conversaram por quase duas horas. Laura falava pouco. Observava mais. Era o tipo de mulher que escuta com os olhos, não com os ouvidos. Nino, ao contrário, falava muito — histórias infladas, negócios bem-sucedidos, mulheres que "não o compreendiam", dívidas emocionais que nunca eram culpa dele.

Quando o vinho chegou à terceira taça, ele já tocava o braço de Laura com mais intimidade. Tentou descobrir onde ela trabalhava, onde morava, se era viúva, divorciada. Ela respondeu com evasivas elegantes.

— E você, Nino... já que falamos tanto de mim, me diga: o que faz com os corações que parte?

Ele riu, exibido.

— Guardo todos numa prateleira invisível. É feio dizer isso? — brincou, entornando mais vinho.

— Um pouco — respondeu ela. — Mas não me assusta. Corações partidos me interessam menos do que os inteiros.

Nino sentiu que o controle lhe escapava um pouco. E isso, paradoxalmente, o excitava. Pediu a conta. Ela insistiu em pagar.

— Não aceito. Não seria elegante — disse ele.

— Ah, Nino… você realmente acredita que elegância tem algo a ver com quem paga?

Saíram juntos. Ele sugeriu um “café em outro lugar”. Ela sorriu, negando com delicadeza.

— Sabe o que eu queria agora? — disse ela. — Que você me contasse, com toda a sinceridade: você já se apaixonou de verdade por alguma mulher?

Nino hesitou por um segundo. A verdade é que não sabia. Achava que sim, algumas vezes, talvez. Mas nunca por inteiro. Nunca por alguém que não pudesse manipular. Engatilhou uma resposta sedutora, mas ela o interrompeu:

— Não minta. Não hoje.

O silêncio entre eles foi curto, mas cortante. Então ela se aproximou, olhou em seus olhos e disse:

— De toda essa prateleira que você citou… um dia você vai encontrar uma que esteja vazia por escolha, não por falta. E vai querer estar nela. Mas já será tarde.

Deu um beijo leve em seu rosto e entrou em um carro escuro que a aguardava. Um motorista abriu a porta para ela. Nino ficou parado, mãos nos bolsos, sorrindo de canto.

— Que mulher… — murmurou, sem saber se tinha ganhado ou perdido.

Na manhã seguinte, Nino tentou procurá-la. O número que ela deixara tocava em silêncio. O nome era falso. E a conta do restaurante já havia sido paga... com um cartão corporativo de uma fundação que ele sequer conhecia.

Meses depois, uma nova mulher apareceu no salão de beleza recém-reformado que ele agora administrava sozinho. Olhos atentos, cabelo preso, uma pulseira discreta que ele jurava ter visto antes. Sorriu para ele. Pediu um corte simples.

E quando Nino se virou para pegar a tesoura, a cadeira estava vazia.

Perfeito, Silvia. Nesta terceira parte, vamos mergulhar no desfecho trágico de Nino — sem pressa, sem melodrama, apenas com o peso inevitável de quem trilha o mesmo caminho vezes demais.


PARTE TRÊS 

Prateleiras Vazias

Dizem que os homens como Nino sempre caem. A dúvida é só quando — e como.

Desde o encontro com Laura, Nino andava inquieto. Ela não ligou, não apareceu, não mandou recado. E isso corroía algo que ele não costumava sentir: dúvida.

Era como se ela tivesse deixado uma armadilha silenciosa em sua memória. Como uma música que toca de fundo e não se sabe de onde vem. Passou a revistar velhas mensagens, nomes esquecidos, ex-amores mal resolvidos. Toninha? Recuperou o salão com ajuda de amigas. Zildinha? Sumiu das redes, foi vista chorando num bar. E Laura… Laura era um enigma. Um ponto de interrogação na prateleira onde antes só havia troféus de conquistas rasas.

O salão agora era dele. Reformado, moderno, com espelhos iluminados e música ambiente. Tudo parecia bem. Mas Nino começava a tropeçar em pequenos esquecimentos: datas, nomes, faturas atrasadas. Clientes fiéis deixaram de voltar. E, sobretudo, aquela sensação estranha de estar sendo observado.

— Paranoia — dizia a si mesmo no espelho. — Você está envelhecendo, Nino. Só isso.

Até que ela voltou.

Não era Laura. Era outra. Cabelos grisalhos, rosto calmo, olhar firme. Sentou-se na cadeira como quem já sabia que não seria só um corte de cabelo.

— Vai querer algo diferente? — perguntou ele, distraído.

— Não. Só uma limpeza… — respondeu. — Mas profunda.

Durante o corte, ela falou pouco. Citou uma fundação, mencionou que trabalhava com mulheres em situação de abuso. Disse que já ouvira falar dele, Nino, há muito tempo. Mas o modo como disse “ouvir falar” era como quem disse: “te estudamos”. Ele disfarçou o incômodo com um sorriso protocolar.

— Sabe, Nino... existem homens que não se lembram das mulheres que destroem. Mas algumas mulheres nunca esquecem.

Ele parou por um segundo. As mãos, trêmulas, ainda seguravam a tesoura.

— Não entendi.

— Vai entender.

Pagou em dinheiro, saiu sem olhar para trás. E no lugar onde estivera sentada, havia um envelope. Dentro, um recorte de jornal antigo: “Toninha reabre salão após golpe de ex-companheiro”. Havia também uma foto de Zildinha numa clínica de reabilitação emocional. E por fim, um bilhete escrito à mão:

“A vingança nunca é sobre o outro. É sobre encerrar um ciclo. Você foi o elo. Agora, é só o fim.”

Naquela noite, Nino saiu para beber. Bebeu mais do que devia, como se pudesse afogar a inquietação que crescia há semanas. Pegou o carro, mesmo tonto. Dirigiu sem destino, talvez buscando a mulher do envelope. Ou a si mesmo, num tempo que já não existia.

O acidente não foi violento. Mas foi preciso. Uma curva mal calculada, um poste, um vidro trincado. Nino morreu sozinho, de madrugada, com o rádio ainda tocando uma música qualquer. O telefone vibrava no banco do passageiro. Era um número desconhecido. Insistente.



Na semana seguinte, um grupo de mulheres entrou no salão fechado. Pegaram uma chave com a síndica do prédio, que afirmou: “Ele deixou tudo no nome de uma tal de Fundação Aurora”.

Lá dentro, não havia troféus. Só espelhos quebrados. E, numa prateleira de vidro no fundo do salão, um único frasco vazio. Sem nome. Sem cor. Sem perfume.

Como um coração que, enfim, cessou de enganar.

Silvia Marchiori Buss

 

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