O Segundo Nascimento de Dona Maria
Dona Maria sempre viveu para os seus. Para o marido, para os filhos, para o cheiro do café coado na hora certa e para os panos de prato estendidos ao sol como bandeiras de cuidado. Mas não era por submissão nem dever aprendido — era por gosto, por afeto tecido em pequenos gestos. Tinha orgulho da casa arrumada, da comida quente, da mesa sempre posta com alguma flor do quintal.
Na pequena Salto Alegre, com seus morros altos e seu povo de fala mansa, vivia-se com o tempo dos galos e dos sinos. Até o dia em que o tempo parou.
A notícia veio como um tapa: o morro cedeu. Um desmoronamento inesperado, brutal. O marido de Dona Maria, assim como tantos outros, não voltou para casa. Nem para a janta, nem para o amanhã. O que voltou foi o silêncio. E a ausência — essa que não faz barulho, mas desmonta tudo por dentro.
Durante meses, ela andou pela casa como se pisasse em cacos invisíveis. Os panos de prato ficaram sem cor, o café perdeu o cheiro, as flores do quintal secaram antes de chegar à mesa.
Mas o tempo — esse mesmo que um dia parou — um dia também sussurrou.
E Dona Maria ouviu.
Não foi de repente. Foi como se a vida, aos poucos, tocasse seu ombro e dissesse: “Volta, Maria. Não pra ser a de antes, mas pra nascer de novo.”
E ela nasceu.
Primeiro, numa manhã em que decidiu abrir todas as janelas. Depois, ao costurar um vestido novo para si, com um tecido florido que guardava há anos. Mais tarde, ao aceitar o convite da vizinha para um café. E, enfim, ao olhar no espelho e dizer: “Estou viva.”
Mas não bastava viver — era preciso transformar o que doía.
Foi então que começou a visitar outras viúvas. Levava um bolo, um chazinho, às vezes só ouvidos. Não falava muito, não dava conselhos. Apenas olhava nos olhos. Sabia que o que elas mais precisavam era o que ela também precisara: ser vista. Não com pena. Mas com amor.
Ajudava na costura da igreja, levava mantimentos aos que perderam tudo, costurava enxovais para os bebês que nasciam em meio ao luto da cidade. Não por caridade, mas por escolha. Por entendimento. Por ternura. Cada gesto era um modo de dizer: "Eu te vejo. E sei que dói."
Com o tempo, sua casa voltou a ter cheiro de pão, barulho de netos, flores na mesa. Mas Dona Maria também passou a carregar no olhar uma luz nova — a de quem foi rasgada e, mesmo assim, decidiu acolher os outros com as mãos que antes tremiam.
Na cidade de Salto Alegre, ainda se fala muito das viúvas do morro. Mas quando falam de Dona Maria, dizem com respeito e um certo sorriso: “Ah, essa nasceu duas vezes.”
Na pequena Salto Alegre, com seus morros altos e seu povo de fala mansa, vivia-se com o tempo dos galos e dos sinos. Até o dia em que o tempo parou.
A notícia veio como um tapa: o morro cedeu. Um desmoronamento inesperado, brutal. O marido de Dona Maria, assim como tantos outros, não voltou para casa. Nem para a janta, nem para o amanhã. O que voltou foi o silêncio. E a ausência — essa que não faz barulho, mas desmonta tudo por dentro.
Durante meses, ela andou pela casa como se pisasse em cacos invisíveis. Os panos de prato ficaram sem cor, o café perdeu o cheiro, as flores do quintal secaram antes de chegar à mesa.
Mas o tempo — esse mesmo que um dia parou — um dia também sussurrou.
E Dona Maria ouviu.
Não foi de repente. Foi como se a vida, aos poucos, tocasse seu ombro e dissesse: “Volta, Maria. Não pra ser a de antes, mas pra nascer de novo.”
E ela nasceu.
Primeiro, numa manhã em que decidiu abrir todas as janelas. Depois, ao costurar um vestido novo para si, com um tecido florido que guardava há anos. Mais tarde, ao aceitar o convite da vizinha para um café. E, enfim, ao olhar no espelho e dizer: “Estou viva.”
Mas não bastava viver — era preciso transformar o que doía.
Foi então que começou a visitar outras viúvas. Levava um bolo, um chazinho, às vezes só ouvidos. Não falava muito, não dava conselhos. Apenas olhava nos olhos. Sabia que o que elas mais precisavam era o que ela também precisara: ser vista. Não com pena. Mas com amor.
Ajudava na costura da igreja, levava mantimentos aos que perderam tudo, costurava enxovais para os bebês que nasciam em meio ao luto da cidade. Não por caridade, mas por escolha. Por entendimento. Por ternura. Cada gesto era um modo de dizer: "Eu te vejo. E sei que dói."
Com o tempo, sua casa voltou a ter cheiro de pão, barulho de netos, flores na mesa. Mas Dona Maria também passou a carregar no olhar uma luz nova — a de quem foi rasgada e, mesmo assim, decidiu acolher os outros com as mãos que antes tremiam.
Na cidade de Salto Alegre, ainda se fala muito das viúvas do morro. Mas quando falam de Dona Maria, dizem com respeito e um certo sorriso: “Ah, essa nasceu duas vezes.”
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