Nada Mais
Ela caminhava devagar. O vestido leve, de linho cru, dançava ao ritmo do vento, como se o tempo não a quisesse apressar. Aos olhos de quem olhasse de fora — e quase ninguém olhava — parecia uma mulher comum: cabelos presos sem vaidade, sandálias gastas, um silêncio no rosto. Mas havia algo nela que a distinguia dos demais: a ausência de urgência.
Não carregava sacolas nem planos. Não esperava ninguém.
Desde que o último amor se desfez como névoa na manhã do outono passado, deixara de contar os dias. Ele partira sem estardalhaço, como tudo o que foi bonito e breve em sua vida. Não houve briga, nem promessa de volta. Apenas um olhar demorado na porta, um adeus sem som. Depois disso, ela acordava cedo, tomava chá de hibisco e ouvia a mesma canção de Gal Costa que embalava seus domingos com a mãe — “o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade…”.
A cada manhã, algo nela se aquietava um pouco mais.
Quando passava pela rua onde morou com o pai, via a casa já demolida e reconstruída em linhas modernas, e sorria com ternura. Era ali que ele lia para ela, antes de dormir, livros de aventuras que inventava. Ela nunca soube se aquelas histórias existiam fora dele, mas também nunca precisou saber. A lembrança bastava: a voz grossa dele dizendo “e então a menina atravessou o rio, mesmo sem ponte…”.
Depois veio o tempo da maternidade, mas breve. O filho que não chegou a nascer deixou uma espécie de eco em seu corpo, um espaço de ternura que ela nunca soube preencher. Durante anos carregou essa ausência como se fosse um relicário. Até que um dia parou de perguntar "por quê" — e apenas passou a lembrar do que não viveu como se fosse sonho bom.
Naquela tarde, ao sentar-se no banco de pedra sob a figueira antiga da praça, encontrou um papel dobrado. Não estava sujo, nem esquecido. Parecia tê-la esperado. Era um bilhete, escrito à mão, com letra firme e simples:
“Se tudo que existe em você já basta, não é preciso mais nada. Com carinho — o tempo.”
Ela sorriu como quem reconhece um velho amigo. Dobrou o papel devagar e guardou no bolso da alma.
Enquanto o céu mudava de cor — aquele azul que se despede para dar lugar ao ouro das sete horas —, ela se deixou ficar ali, atravessada por lembranças que não feriam mais.
Lembrou-se de quando, aos 19, acreditou que amar era segurar firme. Depois, aos 37, entendeu que amar era permitir que o outro fosse. E agora, com a pele marcada por sal, risos e demoras, sabia que o amor verdadeiro era o que a habitava quando tudo silenciava.
Era isso: nada mais.
Nada mais lhe faltava.
Nada mais doía.
Nada mais precisava ser conquistado, provado ou explicado.
Ela apenas estava. E isso, por fim, era o bastante.
Não carregava sacolas nem planos. Não esperava ninguém.
Desde que o último amor se desfez como névoa na manhã do outono passado, deixara de contar os dias. Ele partira sem estardalhaço, como tudo o que foi bonito e breve em sua vida. Não houve briga, nem promessa de volta. Apenas um olhar demorado na porta, um adeus sem som. Depois disso, ela acordava cedo, tomava chá de hibisco e ouvia a mesma canção de Gal Costa que embalava seus domingos com a mãe — “o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade…”.
A cada manhã, algo nela se aquietava um pouco mais.
Quando passava pela rua onde morou com o pai, via a casa já demolida e reconstruída em linhas modernas, e sorria com ternura. Era ali que ele lia para ela, antes de dormir, livros de aventuras que inventava. Ela nunca soube se aquelas histórias existiam fora dele, mas também nunca precisou saber. A lembrança bastava: a voz grossa dele dizendo “e então a menina atravessou o rio, mesmo sem ponte…”.
Depois veio o tempo da maternidade, mas breve. O filho que não chegou a nascer deixou uma espécie de eco em seu corpo, um espaço de ternura que ela nunca soube preencher. Durante anos carregou essa ausência como se fosse um relicário. Até que um dia parou de perguntar "por quê" — e apenas passou a lembrar do que não viveu como se fosse sonho bom.
Naquela tarde, ao sentar-se no banco de pedra sob a figueira antiga da praça, encontrou um papel dobrado. Não estava sujo, nem esquecido. Parecia tê-la esperado. Era um bilhete, escrito à mão, com letra firme e simples:
“Se tudo que existe em você já basta, não é preciso mais nada. Com carinho — o tempo.”
Ela sorriu como quem reconhece um velho amigo. Dobrou o papel devagar e guardou no bolso da alma.
Enquanto o céu mudava de cor — aquele azul que se despede para dar lugar ao ouro das sete horas —, ela se deixou ficar ali, atravessada por lembranças que não feriam mais.
Lembrou-se de quando, aos 19, acreditou que amar era segurar firme. Depois, aos 37, entendeu que amar era permitir que o outro fosse. E agora, com a pele marcada por sal, risos e demoras, sabia que o amor verdadeiro era o que a habitava quando tudo silenciava.
Era isso: nada mais.
Nada mais lhe faltava.
Nada mais doía.
Nada mais precisava ser conquistado, provado ou explicado.
Ela apenas estava. E isso, por fim, era o bastante.
Silvia Marchiori Buss
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