Esperar o Inesperado
A mesa estava posta com capricho. Vinho tinto já respirando na taça, risotos divididos em travessas de cerâmica artesanal e velas acesas — não por romantismo, mas por um toque de leveza que Teresa insistia em manter, mesmo nos dias mais prosaicos. Cloé e Filipi chegaram com aquele atraso elegante de quem mora perto demais, mas quer parecer vindo de longe.
— A culpa foi dele, claro — disse Cloé, rindo, ao entregar o vinho que trazia. — Filipi acha que tempo é um conceito subjetivo.
— E é — respondeu ele, depositando um beijo distraído no ombro da mulher. — Mas o arroz queimando é sempre um conceito bem objetivo.
Augusto, já à mesa, riu com um ar cúmplice. Teresa apenas revirou os olhos. Havia nesse casal algo de encantador e perigoso, como um espetáculo de circo feito sem rede de proteção.
Entre o primeiro e o segundo prato, a conversa começou a escorregar do trivial para o que realmente importava — como sempre acontece entre pessoas que já não têm mais paciência para fingir que a vida é só agenda e boletos.
— Vocês já pararam pra pensar — disse Teresa, mexendo lentamente o vinho no fundo da taça — que passamos metade da vida esperando que algo aconteça e a outra metade lidando com o que aconteceu?
— É o “esperar o inesperado”, né? — completou Cloé. — Só que ninguém ensina o que fazer quando o inesperado realmente chega.
Filipi pegou um pedaço de pão e o mergulhou no azeite como quem escolhe as palavras.
— O problema é que a gente espera o inesperado como quem espera um presente. Mas às vezes, ele vem como uma bomba.
— Ou como uma carta de despedida — disse Teresa, seca.
O silêncio à mesa não foi desconfortável. Foi daqueles que pedem respeito. Augusto pousou a mão sobre a de Teresa. Discretamente.
— Quando minha mãe morreu — começou ele, com a voz mansa —, a sensação que eu tive foi essa. Uma porta que se fechou sem aviso. Eu achava que teria tempo de conversar mais com ela. De dizer o que nunca disse. O tal do “depois” que a gente sempre deixa.
— O depois é uma mentira bem-vestida — disse Cloé. — Eu achava que depois de casar, eu e Filipi íamos viajar o mundo. Morar fora, talvez. Hoje a gente viaja pro supermercado e volta cansado.
— Mas, sinceramente, Cloé — disse Teresa —, você ainda quer essas coisas?
Cloé olhou para Filipi, que a olhava de volta com uma ternura cansada, mas viva.
— Não exatamente. Quero outras. Só que é estranho como a gente muda sem perceber. E um dia acorda amando uma vida que nem sonhou.
— Ou odiando uma que construiu com todo cuidado — disse Teresa.
Augusto suspirou, como quem carrega uma bagagem invisível nas costas.
— Talvez o segredo seja fazer as pazes com a impermanência.
— Isso é muito budista pra uma noite de vinho — provocou Filipi, sorrindo. — Mas é bonito.
— É real — disse Teresa. — Ninguém avisa que o amor também se transforma em silêncio confortável. Ou em conversa de supermercado. Ou em saudade de algo que ainda está ali.
— E mesmo assim vale a pena — disse Cloé, como se não dissesse para ninguém em especial. — Porque às vezes, no meio da rotina, o inesperado vem como um riso no fim do dia. Um toque de mão no corredor. Um "te amo" sem motivo.
— Ou um jantar com velas e amigos que te lembram que ainda vale a pena estar aqui — completou Augusto, erguendo a taça.
Eles brindaram. Não pelo amor romântico, nem pelas certezas — mas por algo mais tênue e difícil de nomear. Um pacto silencioso entre quatro pessoas que, à sua maneira, ainda estavam aprendendo a viver com o que não escolheram, com o que ficou pelo caminho, com o que ainda poderia ser.
Havia ali, entre as migalhas na toalha e os goles distraídos, uma espécie de reconhecimento. Como se, por um instante raro, todos soubessem que estavam no meio de algo frágil, provisório… e, por isso mesmo, verdadeiro.
— A culpa foi dele, claro — disse Cloé, rindo, ao entregar o vinho que trazia. — Filipi acha que tempo é um conceito subjetivo.
— E é — respondeu ele, depositando um beijo distraído no ombro da mulher. — Mas o arroz queimando é sempre um conceito bem objetivo.
Augusto, já à mesa, riu com um ar cúmplice. Teresa apenas revirou os olhos. Havia nesse casal algo de encantador e perigoso, como um espetáculo de circo feito sem rede de proteção.
Entre o primeiro e o segundo prato, a conversa começou a escorregar do trivial para o que realmente importava — como sempre acontece entre pessoas que já não têm mais paciência para fingir que a vida é só agenda e boletos.
— Vocês já pararam pra pensar — disse Teresa, mexendo lentamente o vinho no fundo da taça — que passamos metade da vida esperando que algo aconteça e a outra metade lidando com o que aconteceu?
— É o “esperar o inesperado”, né? — completou Cloé. — Só que ninguém ensina o que fazer quando o inesperado realmente chega.
Filipi pegou um pedaço de pão e o mergulhou no azeite como quem escolhe as palavras.
— O problema é que a gente espera o inesperado como quem espera um presente. Mas às vezes, ele vem como uma bomba.
— Ou como uma carta de despedida — disse Teresa, seca.
O silêncio à mesa não foi desconfortável. Foi daqueles que pedem respeito. Augusto pousou a mão sobre a de Teresa. Discretamente.
— Quando minha mãe morreu — começou ele, com a voz mansa —, a sensação que eu tive foi essa. Uma porta que se fechou sem aviso. Eu achava que teria tempo de conversar mais com ela. De dizer o que nunca disse. O tal do “depois” que a gente sempre deixa.
— O depois é uma mentira bem-vestida — disse Cloé. — Eu achava que depois de casar, eu e Filipi íamos viajar o mundo. Morar fora, talvez. Hoje a gente viaja pro supermercado e volta cansado.
— Mas, sinceramente, Cloé — disse Teresa —, você ainda quer essas coisas?
Cloé olhou para Filipi, que a olhava de volta com uma ternura cansada, mas viva.
— Não exatamente. Quero outras. Só que é estranho como a gente muda sem perceber. E um dia acorda amando uma vida que nem sonhou.
— Ou odiando uma que construiu com todo cuidado — disse Teresa.
Augusto suspirou, como quem carrega uma bagagem invisível nas costas.
— Talvez o segredo seja fazer as pazes com a impermanência.
— Isso é muito budista pra uma noite de vinho — provocou Filipi, sorrindo. — Mas é bonito.
— É real — disse Teresa. — Ninguém avisa que o amor também se transforma em silêncio confortável. Ou em conversa de supermercado. Ou em saudade de algo que ainda está ali.
— E mesmo assim vale a pena — disse Cloé, como se não dissesse para ninguém em especial. — Porque às vezes, no meio da rotina, o inesperado vem como um riso no fim do dia. Um toque de mão no corredor. Um "te amo" sem motivo.
— Ou um jantar com velas e amigos que te lembram que ainda vale a pena estar aqui — completou Augusto, erguendo a taça.
Eles brindaram. Não pelo amor romântico, nem pelas certezas — mas por algo mais tênue e difícil de nomear. Um pacto silencioso entre quatro pessoas que, à sua maneira, ainda estavam aprendendo a viver com o que não escolheram, com o que ficou pelo caminho, com o que ainda poderia ser.
Havia ali, entre as migalhas na toalha e os goles distraídos, uma espécie de reconhecimento. Como se, por um instante raro, todos soubessem que estavam no meio de algo frágil, provisório… e, por isso mesmo, verdadeiro.
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