Antes Do Sol
Ela sempre acordava antes do sol. Não por insônia, nem por obrigação, mas por um tipo de pacto silencioso com a aurora — como se ela quisesse ser a primeira a chegar no novo dia, antes que o mundo o corrompesse com urgências e ruídos.
Na penumbra do quarto, o despertador não tocava. Era o corpo dela que sabia a hora. Aos 63 anos, ela tinha perdido a pressa, mas não o tempo. Sabia esperar e sabia ir embora. Aprendera com as estações que tudo chega e tudo parte, inclusive a dor, inclusive a esperança e os sonhos.
Ela fazia o café como quem prepara um ritual: devagar, sentindo o aroma subir como uma prece morna. Depois, sentava-se na varanda de sua pequena casa, enrolada num xale antigo, herança de uma avó que falava mais com os olhos do que com palavras. Ali, diante do céu ainda rubro, ela pensava na vida. Não para decifrá-la — isso já não lhe importava tanto — mas para lembrá-la.
O amanhecer era seu momento de reencontro: com os que partiram, com as versões dela mesma que ficaram pelo caminho, com os silêncios que aprendera a respeitar. Em certos dias, imaginava o que teria sido se tivesse dito sim a outro amor, ou se tivesse ido morar naquela cidade estrangeira que tanto a chamava na juventude. Mas não era arrependimento — era curiosidade terna, como quem folheia fotos antigas e sorri sem tristeza.
Ela não buscava grandes alegrias. Tinha dias bons, dias nublados, e isso lhe bastava. Descobrira, com o tempo, que a felicidade não grita: sussurra. E que os começos verdadeiros acontecem em silêncio, como o nascer do sol que ela tanto amava observar.
Naquela manhã específica, enquanto o céu clareava em tons de dourado e lavanda, ela entendeu algo simples e poderoso: ela ainda estava aqui. E isso, por si só, já era um começo.
O seu amanhecer não era apenas a hora do dia. Era um jeito de ser. Um pacto com a vida de seguir, mesmo quando doía. De florescer, mesmo no frio. De acordar — mesmo quando o mundo parecia adormecido demais para notar.
E era belo. Intensamente, sutilmente belo. Como ela.
Silvia Marchiori Buss
Na penumbra do quarto, o despertador não tocava. Era o corpo dela que sabia a hora. Aos 63 anos, ela tinha perdido a pressa, mas não o tempo. Sabia esperar e sabia ir embora. Aprendera com as estações que tudo chega e tudo parte, inclusive a dor, inclusive a esperança e os sonhos.
Ela fazia o café como quem prepara um ritual: devagar, sentindo o aroma subir como uma prece morna. Depois, sentava-se na varanda de sua pequena casa, enrolada num xale antigo, herança de uma avó que falava mais com os olhos do que com palavras. Ali, diante do céu ainda rubro, ela pensava na vida. Não para decifrá-la — isso já não lhe importava tanto — mas para lembrá-la.
O amanhecer era seu momento de reencontro: com os que partiram, com as versões dela mesma que ficaram pelo caminho, com os silêncios que aprendera a respeitar. Em certos dias, imaginava o que teria sido se tivesse dito sim a outro amor, ou se tivesse ido morar naquela cidade estrangeira que tanto a chamava na juventude. Mas não era arrependimento — era curiosidade terna, como quem folheia fotos antigas e sorri sem tristeza.
Ela não buscava grandes alegrias. Tinha dias bons, dias nublados, e isso lhe bastava. Descobrira, com o tempo, que a felicidade não grita: sussurra. E que os começos verdadeiros acontecem em silêncio, como o nascer do sol que ela tanto amava observar.
Naquela manhã específica, enquanto o céu clareava em tons de dourado e lavanda, ela entendeu algo simples e poderoso: ela ainda estava aqui. E isso, por si só, já era um começo.
O seu amanhecer não era apenas a hora do dia. Era um jeito de ser. Um pacto com a vida de seguir, mesmo quando doía. De florescer, mesmo no frio. De acordar — mesmo quando o mundo parecia adormecido demais para notar.
E era belo. Intensamente, sutilmente belo. Como ela.
Silvia Marchiori Buss
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